Um dos piores momentos de uma banda é a troca de um membro tão influente como o vocalista. Várias bandas clássicas passaram por esse momento, como Iron Maiden, Black Sabbath, Helloween e, claro, o Judas Priest. Os fãs mais assíduos e cabeças duras (diria eu), tendem a expor diversos argumentos nada satisfatórios e com pouco embasamento técnico como, “a banda morreu” ou “esse vocalista é uma porcaria”, muitos desses acabam julgando sem mesmo ouvir os discos e tomam como verdade absoluta o que outros dizem. Nesta sessão de Álbuns Injustiçados trago a vós uma das maiores injustiças que já vi no mundo do Metal. A fase “Ripper” do Judas Priest foi criativa, bruta e muito boa, porém foi ofuscada pelo prejulgamento de muitos fãs adeptos ao “não ouvi e não gostei”.
É claro, a voz de Rob “Deus” Halford é sublime e não deve ser comparada jamais, porém o carequinha sentiu que devia passar por um período de “auto-descoberta artística”, por isso em 92 se afastou da banda. Após o lançamento do aclamado “Painkiller”, seria difícil encontrar um substituto a altura de um monstro como Rob, porém um ‘garoto’ de cerca de 30 anos, de Ohio, mostrava toda sua potência vocal em uma banda cover de Judas Priest e também no Winters Bane, e isso chamou atenção. O timbre de Tim Owens se assemelha bastante ao de Halford, ainda mais em notas mais agudas (isso pode ser comprovado no ao vivo “98 Live Meltdown”, onde ele simplesmente mostra um controle excepcional nos clássicos da banda), e por isso foi chamado para integrar o grupo. O sonho de fã estava se tornando verdade, ele estava no lugar onde queria e à frente do microfone de sua banda de coração! O que poderia dar errado?
Bem, por onde começo? Substituir uma lenda pode ser mais difícil do que parece, afinal, agradar aos fãs é uma tarefa quase impossível. E Tim percebeu isso, pois o sucesso comercial de seu primeiro disco com a banda foi bem abaixo do que esperavam e as críticas foram negativas, taxando o disco como um dos piores momentos da carreira da banda! Mas analisando hoje, será que isso está correto?
Pra começar, “Jugulator” é um disco mais pesado e provavelmente o mais visceral da discografia, a produção é muito boa e as composições são muito interessantes. Talvez você esteja batendo o pé dizendo: “MaS nÃo É o JuDaS qUe Eu GoStO!” e eu te respondo que sim, você está certo. Não é o Judas tradicional de sempre, só que você pode espernear a vontade, isso não muda o fato de que esse disco foi e é avacalhado até hoje pelos motivos errados. O processo de composição e de evolução da banda foi algo natural, afinal, eles lançaram “Painkiller”, um disco rápido, pesado e sublime em 1990. Sete anos depois lançaram um disco tão pesado quanto seu sucessor (ou mais), só que os tempos eram outros, o tipo de produção era outro, os efeitos usados eram, as timbragens, as tendências… era tudo diferente e por isso o álbum soou mais “moderno”.
Outro ponto que mostra essa “evolução” é a capa, a banda remete ao seu clássico “Painkiller” até mesmo na paleta de cores utilizada, o vermelho, o azul, o prata, o metal no anjo em “Painkiller” e o metal no ‘jugernaut’ da capa de “Jugulator”. Basicamente eles estavam dizendo “ei, aqui dentro do conteúdo deste CD tem mais do que fizemos em 1990, mas se preparem para uma dose de Metal bem mais pesado, como você jamais nos viram fazer!” E o disco entrega isso, um som pesado, um vocal agressivo, e uma bateria insana.
A pedreira já tem start com a porrada “Jugulator”, que logo pela introdução já sabemos que “a fúria” da banda está insaciável. Os vocais fortes de Tim são um tempero a mais para a velocidade e agressividade da faixa, além da facilidade com que o mesmo transita entre notas graves e agudos ensurdecedores. Em sequência temos a mortífera e obscura “Blood Stained”, uma de minhas faixas prediletas deste disco. Aqui, e como se os riffs chegassem rastejando pela noite, a cozinha rítmica de Scott Travis, da a cada palhetada do riff uma dose de peso a mais, além dos vocais agudos de Owens que simplesmente preenchem o espaço entre cada nota apresentada. “Dead Meat” literalmente é direta e reta, os pedais contínuos combinados com bases incisivas e vocais mais graves dão a sensação de estar sendo perseguido por algo extremamente mortal que não irá parar até literalmente te devorar.
E por falar em devorar, “Death Row” é uma música que parece estar te “devorando vivo”, até mesmo o solo cheio de firulas faz a música ficar cada vez mais completa e viciante. Quando a faixa “Decapitated” inicia, você sente o clima tenso e pesado das guitarras de K. K. Downing e Glenn Tipton como se fossem executores que estão te levando para a guilhotina. Cadenciada, e sem delongas, esta faixa cumpre seu papel de mostrar que o Judas Priest pode ser mais intenso ainda.
Em um passado distante, certa vez ouvimos uma estrofe pegajosa que recitava as seguintes blasfêmias: “Wake the dead, the saints are in hell/ Wake the dead, they’ve come for the bell” (“Acordem os mortos, os santos estão no inferno/ Acordem os mortos, eles virão pelo som do sino”). Me pergunto como será que estes santos do inferno (“Saints In Hell”, faixa presente em “Stained Class”, de 1978) iriam se sentir ao ouvir o ritmo progressivo e perturbador de “Burn In Hell”? São 6 minutos de uma música composta de camadas que flutuam entre o peso e a atmosfera obscura que a banda vem apresentando desde o início do disco. Certamente, um dos pontos mais altos de toda a fase Tim “Ripper” Owens e uma música que merecia a alcunha de clássico.
Após a apoteose proporcionada pela faixa anterior, “Brain Dead” chega quebrando um pouco o clima denso apesar da letra tratar de um tema bem incômodo. A composição soa um pouco mais leve musicalmente, porém sem deixar de lado a sonoridade anabolizada que preenche todas as lacunas do disco.
Perto do fim, o quinteto apresenta “Abductors”, repleta de mudanças bruscas de tonalidades vocais e com passagens onde Tim lembra muito os agudos de Halford. Aqui Ian apresenta muito bem o timbre metalizado de suas 4 cordas, o que combina muito com o clima mais cadenciado da faixa em questão. Nesta letra, “o toque do mal” se faz presente, afinal estamos falando de criaturas alienígenas nada amigáveis que estão te sequestrando e te levando para servir como experimento científico para fins não revelados. “Ripper” canta agoniado e você realmente entende que estão te cortando, implantando chips e te levando a loucura, belíssima interpretação.
“Bullet Train” simplesmente irrompe deixando os tímpanos desavisados extremamente abismados com o conjunto de elementos apresentados aqui. Rápida, com um ritmo galopante frenético e com vocais graves absurdos que desembocam em agudos ainda mais impressionantes, esta é uma faixa completa. Facilmente conquista o coração de quem realmente curte Heavy Metal. Por fim, “Cathedral Spires” fecha o disco de forma sublime, lembrando bastante a fórmula de clássicos como “Beyond The Realms of Death” e “Dream Deciver”, onde a faixa se inicia suave e agraciada pelos vocais agudos de um alguém que realmente sabe o que está fazendo, e então passa para a parte mais pesada sem perder a graciosidade e a qualidade. Literalmente, aqui é Tim Owens que mostra toda sua potência vocal, cercado da competência instrumental de uma trupe que trabalha a décadas junta, são 9 minutos de uma obra clássica que foi esmagada pela ignorância de fãs cegos por seu ego “machucado” pela saída de seu vocalista favorito. Uma pena!
Vamos as conclusões:
- “Jugulator” não é “Painkiller”, mas isso não faz dele um disco ruim;
- Tim “Ripper” Owens não é Rob Halford, porém ele foi um substituto de respeito e sua obra aqui citada merece muita atenção.
Deixemos de lado toda injustiça feita a este trabalho e vejamos o quanto ele é um álbum completo e que entrega o que se propõe. Aqui temos um Heavy Metal mais pesado e cru, assim como mais visceral e cortante. Algo que se perde um pouco no sucessor, “Demolition”, de 2001, mas isso é papo para outro dia…
Nota: 8,9
Faixas:
- 01.Jugulator
- 02.Blood Stained
- 03.Dead Meat
- 04.Death Row
- 05.Decapitated
- 06.Burn In Hell
- 07.Brain Dead
- 08.Abductors
- 09.Bullet Train
- 10.Cathedral Spires
Integrantes:
- Tim “Ripper” Owens (vocal)
- K. K. Downing (guitarra)
- Glenn Tipton (guitarra)
- Ian Hill (baixo)
- Scott Travis (bateria)
Redigido por: Yurian ‘Dollynho’ Paiva