Estamos comemorando os 44 anos do lançamento de “Blizzard of Ozz”, debut solo de Ozzy Osbourne.
Após décadas de serviços muito bem prestados ao Rock and Roll e ao Heavy Metal, Ozzy Osbourne se tornou uma figura altamente icônica. Ou seja, uma verdadeira lenda viva daquelas que falamos em rodas de amigos e contamos as histórias folclóricas e as loucuras cometidas.
Mas em 1979, podemos afirmar que John Michael Osbourne estava literalmente acabado…
Ao final de praticamente dez anos como frontman do todo poderoso Black Sabbath, Ozzy entrou em uma fase de tamanha insanidade, descontrole e abuso de substâncias, que seus companheiros de banda não tiveram outra opção senão expulsá-lo. O pé na bunda foi tão desconcertante que o cantor chegou a pensar em abandonar a música e ir trabalhar na construção civil.
Ainda bem que ele não cometeu mais esta loucura.
Em 79, o figurão da Jet Records e também empresário do Black Sabbath, Don Arden, resolveu dar uma chance a Ozzy e o contratou para gravar um disco. De acordo com relatos do próprio Ozzy, ele se sentia inseguro e tinha medo que seu trabalho fosse inferior ao de sua ex-banda. O primeiro músico que ele tentou contratar para seu mais novo projeto foi o guitarrista irlandês Gary Moore, mas ele acabou recusando a proposta por estar investindo em sua carreira solo em ascenção. No entanto, Moore fez uma espécie de favor a Ozzy e o ajudou fazendo audições de guitarristas que poderiam integrar o “The Blizzard Of Ozz Project”. Este era o nome dado até então.
O primeiro músico a se juntar ao madman foi o novato guitarrista Randy Rhoads, do Quiet Riot. Segundo a lenda, Ozzy quase chorou de emoção ao ouvir o jovem talento se aquecendo para o teste. Dessa forma, o contratou antes mesmo que ele tocasse de fato. O segundo integrante fixo escolhido foi Bob Daisley (ex-baixista do Rainbow). Desse modo, o trio que compôs praticamente todas as músicas do álbum estava formado.
Os três se instalaram em uma espécie de estúdio no País de Gales e trabalharam nas composições. Nesta fase quem tocou bateria foi um amigo de Ozzy chamado Barry Screnage. Em nenhum momento ele foi cogitado para ser o baterista oficial e quando foram gravar as demos de “I Don’t Know”, “Crazy Train” e “Goodbye To Romance”, Dixie Lee foi chamado para assumir as baquetas no estúdio. A esperança era de que Lee fosse efetivado e fechasse o time, mas o músico acabou não permanecendo e depois de diversas audições, outro Lee foi quem ficou com a vaga, Lee Kerslake, do Uriah Heep.
Lee Kerslake teve que aprender tudo rapidamente
Kerslake teve cerca de uma semana para aprender a tocar todo o material composto e, logo depois, se dirigiram para o Ridge Farm Studio para gravar o registro. A última música a ser composta foi “No Bone Movies”, que era para ser apenas um lado B, mas acabou sendo adicionada ao tracklist para que Lee Kerslake tivesse ao menos uma faixa em que ele havia contribuído na composição.
Nas gravações, Ozzy já sabia que tinha um material muito bom em mãos, mas mesmo assim, conta em seu livro que o Black Sabbath não saía de sua cabeça. Não apenas no sentido de estar temeroso sobre seu material em comparação ao de sua ex-banda, mas também como se estivesse em uma espécie de competição particular com seus ex-colegas. Segundo Ozzy:
“Estaria mentindo se dissesse que não me sentia competindo com o Black Sabbath quando gravamos ‘Blizzard of Ozz’. Eu queria tudo de bom para eles, mas parte de mim estava morrendo de medo que eles fizessem mais sucesso sem mim. E o primeiro disco deles com Dio estava muito bom. Não saí correndo para comprar, mas ouvi algumas faixas no rádio e comprovei isto. Mas assim que terminamos de gravar ‘Blizzard’, sabia que tínhamos um disco fabuloso. Tínhamos dois discos, na verdade, porque havia muito material que ficou de fora quando terminamos”
Os membros da banda também foram os produtores
Para a produção de “Blizzard Of Ozz”, nada menos que Cris Tsangarides foi deslocado para a tarefa. No entanto, os músicos não gostaram do resultado que estava sendo obtido por ele e optaram por dispensar o produtor. Max Norman era o engenheiro de som na época e foi ele quem assumiu a produção, apesar de não ter sido creditado por isso. Norman teve a ajuda do baterista Lee Kerslake, que contou o seguinte ao site Bravewords:
“Foi uma combinação única dos talentos de nós quatro. Em ‘Blizzard’, eu apenas co-escrevi uma música, mas toquei no álbum todo e o co-produzi com os caras. Lembro de ouvir pela primeira vez o resultado final e dizer a Max Norman, ‘temos um grande sucesso aqui’. Era tão diferente de tudo. Quando o disco saiu na América, em 1981, estourou. Ninguém tinha ouvido algo assim antes.”
E, realmente, o primeiro disco de estúdio de Ozzy surpreendeu a todos de forma muito positiva. “Crazy Train” saiu como single algumas semanas antes do lançamento oficial do álbum. Como resultado, ela foi parar em posições de destaque em diversos charts da época. Ficou na posição de número 49 na parada britânica, mas alcançou um nono e um sexto lugar em duas paradas diferentes da Billboard. Nada mal para a estréia de um músico que estava totalmente desacreditado e há pouco tempo tinha sido chutado de seu posto sendo apontado como o principal fator para a queda de rendimento e qualidade do grupo.
“Blizzard Of Ozz” chegou primeiramente na Inglaterra no dia 12 de setembro de 1980 e, posteriormente, no dia 27 de março de 1981 nos Estados Unidos. Musicalmente, temos um tracklist formado quase que na totalidade por clássicos do Heavy Metal. Os dois “carros-chefe” foram “Crazy Train” e “Mr. Crowley”, porém, a balada “Goodbye To Romance”, as contagiantes “I Don’t Know”, “Suicide Solution” e “Steal Away (The Night)”, além da épica “Revelation (Mother Earth)”, também se tornaram destaques latentes.
A história de um bruxo na voz de Ozzy Osbourne
Na parte lírica, “Mr. Crowley” aparece como uma espécie de homenagem póstuma ao bruxo Aleister Crowley. “Goodbye To Romance” é sobre a saída de Ozzy do Black Sabbath e, por ter sido a primeira música composta para o disco, possui uma letra mais pessimista com o madman ainda desacreditando que pudesse existir um horizonte além do Sabbath. “Crazy Train”, ao contrário do que se pensa, não é nem de longe uma letra bobinha falando sobre maluquices, ela é uma espécie de crítica sobre a sociedade enlouquecendo a cada dia e sobre o conceito do que vem a ser loucura de fato. Logo no início da faixa, Ozzy diz, “talvez não seja tarde para aprender como amar e esquecer o ódio”, mas ao colocar a sociedade dentro de seu trem desgovernado, as pessoas simplesmente não conseguem fazer isso e este é o motivo delas “saírem dos trilhos do trem”.
Falando em letras, ainda podemos mencionar toda a polêmica envolvendo “Suicide Solution”. Ozzy respondeu um processo e o acusaram de “encorajar o comportamento autodestrutivo” em jovens em condições suscetíveis a sua influência. Tudo por que em outubro de 1984, um jovem chamado John McCollum se suicidou e, segundo seus pais, ele havia escutado a música antes de tirar sua própria vida.
Obviamente, o inocentaram e indeferiram a queixa com base no texto da primeira emenda norte americana que protege o direito do artista de se expressar livremente. Segundo Ozzy, as pessoas na época tiraram sua música de contexto. Veja o que ele disse:
“Bom, tudo isso foi tirado de contexto. Olha, na época em que escrevemos essa música, nós estávamos todos no meio de uma bela bebedeira. Eu estava bebendo muito e por um longo, longo período de tempo. E foi algo como, tipo, ‘It’s a Suicide Solution’, que quer dizer uma solução no sentido de líquido, não uma forma de resolução. As pessoas entenderam essa merda toda errada.”
“Blizzard Of Ozz”, o line-up perfeito de Ozzy Osbourne
Ao falar sobre “Blizzard Of Ozz”, não podemos deixar de lado a individualidade dos músicos. Não consigo afirmar se esta foi a melhor formação de toda a carreira do madman, mas é inquestionável que Ozzy, Randy Rhoads, Bob Daisley e Lee Kerslake eram muito funcionais trabalhando como uma equipe. A química era evidente e cada um, à sua maneira, adicionou algo de importante na musicalidade do disco.
A forma com que Randy Rhoads tocava guitarra era verdadeiramente mágica. Pessoas não ligadas ao Rock, mas com ouvidos exigentes, foram fisgadas por seus solos clássicos e linhas repletas de belíssimas harmonias. A parte rítmica formada pela dupla Daisley/Kerslake não deixava por menos e imponentemente marcava território de forma coesa e classuda. Ozzy, mesmo em meio ao caos e imerso dentro de sua própria loucura, conseguia brilhar como nunca nos palcos. Até mesmo o tecladista Don Airey, que não era um membro efetivo da banda, mas uma espécie de músico contratado, fazia a diferença nas performances ao vivo e somava muito para a musicalidade desenvolvida.
Formação fantástica, mas que durou pouco
Sem dúvida, nós teríamos ganhado muito se esta formação tivesse permanecido junta por mais tempo. Mas infelizmente, alguns fatores contribuíram para que isso não acontecesse.
Logo depois do lançamento de “Blizzard Of Ozz”, o baixista Bob Daisley e o baterista Lee Kerslake demonstraram tremendo incômodo com a forma que a banda estava sendo apresentada para o público. Ambos alegaram que jamais entraram para uma banda solo de Ozzy Osbourne, mas para um novo grupo onde todos seriam partes fundamentais e teriam voz ativa. A principal reclamação dos músicos era que “Blizzard Of Ozz” seria o nome de uma banda e não de um disco solo de Ozzy. Quando o álbum foi lançado e na capa aparecia o nome do músico muito maior que o nome do disco, ambos se sentiram traídos.
Segundo Bob Daisley:
“Quando o álbum foi lançado, as palavras ‘Ozzy Osbourne’ estavam em letras maiores do que ‘The Blizzard of Ozz’, o que fez com que parecesse um álbum de Ozzy Osbourne chamado ‘The Blizzard of Ozz’. Randy Rhoads nunca foi de abandonar o barco. Ele sabia que estava em uma situação que era uma boa oportunidade principalmente por ele ser relativamente desconhecido, então quando Lee e eu fomos expulsos, Randy não tinha mais aliados e o ato estava definitivamente consolidado, foi aí que se tornou de fato ‘Ozzy Osbourne solo’ e não mais uma banda.”
Ozzy desmente esta versão e diz que desde o início foi uma banda formada para gravar discos de sua carreira solo, mas devemos lembrar que nesta época, Ozzy não tinha muito controle sobre nada em sua vida. Sharon, neste período era apenas a filha de Don Arden, chefão da Jet Records, e foi designada por ele para monitorar e controlar cada passo de Ozzy afim de garantir que o seu investimento não fosse por água abaixo.
E ela fez isso de forma extremamente eficiente. Comandou cada decisão e esteve por trás de cada passo dado por Ozzy relacionado a sua carreira. Se Sharon tem todo o mérito de ser a pessoa nas sombras por trás do ressurgimento do músico, certamente, também recebe todo o demérito por ter sido quem decidiu descartar Bob Daisley e Lee Kerslake por “não estar satisfeita com suas contribuições no álbum”.
Ambos acabaram processando Ozzy alegando não ter recebido os royalties relacionados ao disco e este foi um assunto mal resolvido na carreira do madman durante décadas.
Em 2012, a picuinha de Sharon com Bob Daisley e Lee Kerslake chegou ao ponto que em um relançamento de “Blizzard Of Ozz”, o baixo e a bateria foram regravados por Robert Trujillo e Mike Bordin apenas para que os músicos originais não pudessem receber os direitos autorais sobre a reedição.
No entanto, Ozzy pareceu não compactuar de tais “ações administrativas”. Atualmente, mais velho, sóbrio e sem o controle tão efetivo de Sharon sobre si, ele precisava fazer algo. E foi. Quando começaram os preparativos para a reedição do 30º aniversário do clássico, o madman resolveu se pronunciar sobre todo este embrólio e, em meio a um programa de rádio no qual Sharon estava presente, Ozzy disse firmemente:
“Sabe de uma coisa, sejam quais forem as circunstâncias, quero a coisa original de volta.”
E assim foi feito!
Em 2019, Lee Kerslake revelou ao seu público que possuía um câncer terminal e tinha cerca de 8 meses de vida. O baterista disse que tinha um último desejo: receber os discos de platina relacionados aos lançamentos de “Blizzard Of Ozz” e “Diary Of A Madman”. Além de dizer isso publicamente, ele também escreveu uma carta para Ozzy.
Para entendermos um pouco do que esses álbuns significavam para Lee Kerslake, basta lermos esta resposta dada por ele em uma entrevista quando questionado sobre os motivos que fazem os dois álbuns gravados com Ozzy serem tão importantes, sendo que ele gravou outros 16 com o Uriah Heep. Ele disse o seguinte:
“Basicamente, porque era um projeto totalmente novo e tínhamos um guitarrista que era muito além de bom, ele era um gênio. Além disso, a sonoridade era original, nós apenas tínhamos nosso próprio prazer e tínhamos o controle da nossa música, e a música era muito, muito boa. Foi realmente mágico. Para mim, é uma espécie de prova que tenho um talento, não apenas tocar bateria, mas mostrar algo a mais de mim mesmo.”
Felizmente, Ozzy Osbourne atendeu prontamente ao último desejo de Kerslake e, além de enviar os discos de platina ao seu antigo colega, também organizou que o baterista recebesse os discos em uma cerimônia formal do Hall of Heavy Metal History, em Anaheim, na Califórnia.
Lee Kerslake faleceu em setembro de 2020, mas teve o seu último desejo atendido.
“Blizzard Of Ozz” é um daqueles discos que além da qualidade musical inquestionável, faz parte da cartilha básica do Heavy Metal. Os cinco músicos envolvidos no álbum deram tudo de si e o resultado é um clássico para a posteridade. Muito além de uma obra marcante, falamos de um período antológico que traz ótimas passagens e histórias sensacionais.
Precisaríamos de muito mais do que uma simples resenha para documentar tudo, mas espero que você se sinta inspirado e procure saber mais sobre discos tão grandiosos como este.
Nota: 9,7
Integrantes:
- Ozzy Osbourne (vocal)
- Randy Rhoads (guitarra)
- Bob Daisley (baixo)
- Lee Kerslake (bateria)
- Don Airey (teclado)
Faixas:
- “I Don’t Know”
- “Crazy Train”
- “Goodbye to Romance”
- “Dee”
- “Suicide Solution”
- “Mr. Crowley”
- “No Bone Movies”
- “Revelation (Mother Earth)”
- “Steal Away (The Night)”