O Metallica tem dado o que falar e isso não é de hoje. Como redator de um site especializado em Rock e Metal, tenho a obrigação de ficar antenado nos principais assuntos relacionados aos artistas e bandas destes gêneros. E é sintomático o que acontece com o Metallica. O quarteto sempre encontra uma maneira de ficar em evidência. Seja com um disco novo, um show especial grandioso, uma participação especial inusitada, videoclipes, promoções, declarações, ações filantrópicas, boxes comemorativos ou o que seja. Eles sempre estão no topo das notícias mais acessadas, mais procuradas e, portanto, mais relevantes.
Você pode dizer que isso acontece por que a banda é gigante
Sim, mas eles vão além. E isso acontece sempre. Não existe meio termo com o Metallica, tudo o que fazem é grande e isso tem uma explicação.
Você se lembra da polêmica com o Napster?
Aconteceu há 22 anos, no ano 2000. Para quem era apenas um jovem padawan nessa época, o Napster foi criado por Shawn Fanning, um estudante universitário que criou a famosa tecnologia p2p (peer-to-peer), responsável por programas como eMule, Kazaa, SoulSeek, LimeWire e, por fim, o Napster e os famosos torrents de hoje em dia.
Naquela época, a indústria musical passava pela mudança mais significativa da sua história e todos estavam tremendo de medo do maior vilão do momento: os downloads de MP3. O Napster caiu como uma bomba nas cabeças dos empresários, gravadoras e artistas mainstream. No seu auge, chegou a ter 50 milhões de usuários fazendo compartilhamento de arquivos de música sem pagar um mísero centavo para ninguém.
O Metallica entrou nesta briga e encabeçou o enfrentamento ao Napster. Foram meses de processos jurídicos e declarações polêmicas até que, finalmente, em 2001, o Napster foi tirado do ar. Uma vitória que não serviu para absolutamente nada e até hoje é lembrada como a maior gafe da música. A tecnologia já havia se espalhado e milhares de programas iguais ou melhores eram colocados na rede dia após dia. A internet mudou tudo e não havia como fugir a esta realidade. Quem não se adaptasse ao novo mundo digital não sobreviveria.
Com a guerra travada contra o Napster, o Metallica entendeu este novo mercado ainda no início do processo. Quando todas as bandas estavam engatinhando na internet, Lars, James e Kirk já tinham entendido que as coisas mudariam e eles precisariam mudar também.
O guitarrista Kirk Hammet cedeu uma entrevista a revista Classic Rock há algumas semanas e relembrou o embate com o Napster:
“AVISAMOS A TODOS QUE ISSO IA ACONTECER. AVISAMOS A TODOS QUE A INDÚSTRIA DA MÚSICA PERDERIA 80% DO SEU PATRIMÔNIO LÍQUIDO, PODER E INFLUÊNCIA. QUANDO ESSES EVENTOS MONUMENTAIS ACONTECEM, OU VOCÊ FICA DENTRO DA SUA GAIOLA SEM FAZER NADA OU VOCÊ SEGUE EM FRENTE.
“HÁ DEFINITIVAMENTE UMA NOVA MANEIRA DE APRESENTAR A MÚSICA PARA AS MASSAS, TALVEZ NÃO SEJA TÃO EFICAZ QUANTO A INDÚSTRIA MUSICAL PRÉ-NAPSTER. MAS ESTAMOS PRESOS A ELA. PRECISA HAVER ALGUM TIPO DE PONTO INTERMEDIÁRIO ONDE OS DOIS MUNDOS SE UNAM OU OUTRO MODELO COMPLETAMENTE NOVO APAREÇA.”
“É VERDADE QUE A INDÚSTRIA NÃO É EXATAMENTE O QUE COSTUMAVA SER. MAS ISSO É APENAS A PASSAGEM DO TEMPO. AS COISAS MUDAM (EVOLUEM). ALÉM DISSO, NÃO É COMO SE VOCÊ NÃO PUDESSE GANHAR UM DINHEIRO DECENTE VENDENDO SUA MÚSICA ATRAVÉS DO BANDCAMP OU ATÉ MESMO DE SERVIÇOS DE STREAMING COMO O APPLE MUSIC. ESTAS PLATAFORMAS PODEM LHE DAR UM CHEQUE DECENTE.”
“ENTÃO, NÃO TENHO CERTEZA SE É UMA QUESTÃO DE SER EFICAZ, PORQUE A ERA DA INTERNET CERTAMENTE É EFICAZ EM FAZER AS PESSOAS ENCONTRAREM NOVAS MÚSICAS. SÓ QUE É UM POUCO MAIS DIFÍCIL GANHAR A VIDA ASSIM. SERÁ QUE DÁ PRA DIZER QUE O PROCESSO CONTRA O NAPSTER ANUNCIAVA QUÃO POUCAS PESSOAS CONSEGUIRIAM FAZER ISSO? É, PARECE QUE SIM. NINGUÉM TEM BOLA DE CRISTAL, MAS TEMOS DE PARABENIZAR AO METALLICA POR SEGUIR SEUS PRÓPRIOS INSTINTOS NO QUE DIZ RESPEITO A SAIR DA INDÚSTRIA. HOJE A BANDA POSSUI TODAS AS SUAS PRÓPRIAS MÚSICAS E TODOS OS DIREITOS AUTORAIS DE SEUS PRODUTOS. E ELES ESTÃO INDO MUITO, MUITO BEM HOJE EM DIA.”
Perceba, é natural do ser humano se assustar com uma mudança tão repentina como foi a mudança da indústria fonográfica com o advento da internet. O Metallica fez o que alguém faria quando se sente encurralado, partiu para cima e tentou enfrentar um “inimigo desconhecido”. Mas graças a isso, a banda entendeu o que estava por vir e, sejamos justos, se preparou muito bem para o futuro.
Se existe uma banda de Metal que cometeu alguns erros gigantes no decorrer de sua carreira, foi o Metallica. Mas existe um ditado que diz que você deve tirar lições valiosas de seus erros e é inquestionável quanto o Metallica amadureceu e aprendeu com estes erros.
Devemos lembrar que em 2003, na época do lançamento de “St. Anger”, a banda foi pioneira no streaming, disponibilizando todas as músicas do disco, uma por dia, para que os fãs pudessem ouvir diretamente de seu site oficial sem precisar baixar os arquivos. Enquanto a maioria dos grupos de Metal estavam navegando sem rumo por mares desconhecidos, James, Lars e Kirk já tinham uma direção e um novo horizonte à vista.
Se o futuro era a internet, eles investiram no futuro. E o principal, fizeram tudo tão bem que hoje em dia, estão há anos luz de distância das outras bandas do estilo.
Se nos questionarmos quais as maiores bandas de Rock/Metal da atualidade, o Metallica, por motivos óbvios, precisará entrar na discussão. Mas se a pergunta for mais específica e tiver relação com a internet, nenhuma banda de Rock ou Metal usa tão bem as redes quanto o Metallica. Nenhuma!
O quarteto criou uma estrutura tão genial de criação de conteúdos que o fã pode dedicar horas de seu dia navegando pelas redes da banda e consumindo materiais diversos. O canal oficial no Youtube é um dos primeiros da plataforma dedicados a uma banda e possui centenas de vídeos incluindo performances ao vivo, entrevistas, videoclipes e demais conteúdos. Possui quase 9 milhões de inscritos e cerca de 6 bilhões de visualizações. O site oficial é um verdadeiro marco, com área para membros, conteúdos exclusivos, venda de todo o tipo de merchandising e tanta informação que talvez o fã mais dedicado não consiga ver tudo o que é disponibilizado. O Spotify, que é uma plataforma mais recente e ainda não viu um lançamento de um novo disco do Metallica, já conta com cerca de 30 milhões de ouvintes mensais e este número vem subindo devido ao recente sucesso da faixa “Master Of Puppets”.
Ainda podemos mencionar que esta astúcia em saber se mostrar e, principalmente, saber se vender, vem de muito antes da internet. Amado ou odiado, fatos são fatos e o disco preto ainda é o álbum de Metal mais vendido em todos os tempos. Desde o final dos anos 80 e início dos anos 90, o Metallica se mantém sendo uma das maiores portas de entrada para os jovens descobrirem o Metal. E isso parece que vai se perpetuar, vide o sucesso estrondoso que o hino “Master Of Puppets” fez ao aparecer na série Stranger Things. Diga-se de passagem, novamente, a banda deu um show de marketing e surfou na onda da série angariando mais alguns milhões de fãs ao redor do mundo. O melhor de tudo isso é que são fãs jovens, o que provavelmente vai render uma boa rejuvenescida no público consumidor de Metal.
Existem muitas bandas realmente grandes dentro do estilo. O Kiss, o AC/DC, o Iron Maiden, o Slipknot e outras, todas estas tem potencial para ser tão eficientes quanto o Metallica nas redes, mas nenhuma parece ter alcançado o entendimento ideal do atual cenário da música. Enquanto personalidades como Gene Simmons e Paul Stanley (do Kiss) ainda vivem reclamando dos downloads, streamings e se negam a gravar músicas novas por conta das mudanças da indústria, o Metallica segue nadando de braçada e abraçando com carinho fraternal todo o potencial que a internet pode lhes oferecer.
Os haters podem discutir e esbravejar à vontade sobre a qualidade musical dos últimos discos de estúdio do Metallica, mas a grande realidade é que o grupo é extremamente competente em praticamente tudo o que se propõe. E isto é um fato. O choro é livre.
Redigido por Fabio Reis