Depois da veiculação da matéria do Fantástico (na TV Globo) à respeito da cena NSBM (National Socialist Black Metal), o tema invadiu as conversas nas redes sociais e grupos privados de whatsapp. Obviamente, muitas análises enviesadas foram feitas e é justamente isso que pretendemos não fazer por aqui.
Acreditamos que temas sérios como este não podem e não devem ser tratados de forma rasa como se fosse um mero Fla x Flu ideológico. Sendo assim, vamos fazer uma análise sem paixões e apontar os erros e acertos da reportagem. Mais importante que isso, vamos trazer um pouco de luz sobre o tema principal desta discussão: bandas que defendem esta ideologia nefasta dentro do Metal.
Mea culpa
Antes de mais nada, precisamos fazer um mea culpa. Não há como discutir este tema sem ser pelo início.
1) Existe uma cena NSBM. Isto é um fato.
2) Esta cena de alguma forma ganhou raízes em nosso país e certamente grande parte dos headbangers ou pessoas que acompanham a cena de forma mais abrangente tinha conhecimento disso. E aqui temos outro fato, por escolha própria preferiu-se ignorar o problema ao invés de enfrentá-lo.
3) Conclusão: Erramos!
E neste ponto, o “erramos” serve para a esmagadora maioria. Não adianta dizer ser contra, vender a ideia de que está lutando contra e proferir mil discursos da boca pra fora se a postura é de inércia. Nazismo é crime, apologia ao Nazismo é crime, é previsto no nosso código penal e não deve ser tratado através de posts em redes sociais, matérias em blogs e vídeos em canais. Isto é somente angariar views ao invés de tratar o problema. A denúncia que funciona é aquela feita através de boletins de ocorrência na polícia.
Acertos da matéria do Fantástico
Sobre a matéria em si, ela tem erros e acertos em nossa avaliação. Mas independente disso, cumpriu um papel fundamental que foi o de trazer a discussão para a luz. Este é o primeiro acerto.
Quando vi que o tema seria abordado em um programa como o Fantástico, fiquei receoso como grande parte dos fãs de Metal. A emissora nunca tratou o estilo com respeito e meu temor era que eles poderiam generalizar e estigmatizar o Heavy Metal como um todo, inclusive, mencionando bandas de maneira injusta. Isso não ocorreu.
A matéria explicou que se tratava apenas do Black Metal e, mesmo neste nicho, ainda era algo que não representava o subgênero como um todo. Outro fator importante foi dar voz a alguém que representasse o Heavy Metal. A aparição foi rápida e no final da reportagem, mas foi melhor do que não ter ninguém lá.
Um outro ponto muito interessante foi o Fantástico ter apresentado o trabalho da Stop Hate Brasil, mas sobre isto vamos falar logo mais nesta matéria. E não se engane, o tema merece uma análise mais aprofundada.
O Fantástico também errou
Sobre os erros, começo dizendo que tivemos uma matéria extremamente rasa e com pouquíssimas informações à respeito do tema principal. Me soou como se a denúncia à respeito de ideologias nazistas infiltradas na cena Black Metal fosse apenas um pano de fundo para falar de regulamentação das redes sociais. Sabemos que este é um assunto que interessa para a emissora por conta da perda de espaço e de relevância nos últimos anos. E um dos fatores para esta perda de relevância são justamente a ascensão das redes sociais.
Outro ponto crítico na matéria do Fantástico foi divulgar as imagens feitas por policiais disfarçados nos eventos NSBM. Sabemos que se as imagens chegaram nas mãos da equipe jornalística é por que alguém de dentro da polícia cedeu essas imagens, mas é no mínimo temerário colocar em rede nacional um aviso aos criminosos. Agora eles sabem que estão sendo mapeados, investigados e que a polícia inclusive tem infiltrado agentes nas festas e eventos. No mínimo, irresponsável.
Assista a matéria do Fantástico completa AQUI.
No geral, e não ignorando os erros mencionados, a matéria cumpriu seu papel. Mesmo que sua intenção primária tenha sido outra e não aquela disseminada nas propagandas durante toda a semana, precisamos ser justos ao verificar que, muito provavelmente, não estaríamos aqui falando sobre o tema caso não tivéssemos o assunto sendo abordado pela reportagem.
Stop Hate Brasil
Vamos ao trabalho da Stop Hate Brasil. Confesso que sempre que vejo alguma entidade não governamental ou sem fins lucrativos sendo apresentada por um veículo grande como a Globo, a torção de nariz e a desconfiança vem antes da verificação do trabalho. Mas é claro que é necessário verificar o trabalho e, neste caso, foi fazendo isso que veio a surpresa positiva.
Tivemos acesso ao relatório apresentado pela Stop Hate Brasil e ele é muito completo. Quem assina o relatório é Michele Prado e Ricardo Cabral Penteado. O Objetivo do relatório é:
“O propósito do relatório não é reproduzir ou amplificar discursos de ódio, mas expor as estruturas e conexões dessas redes extremistas para informar e fornecer ferramentas à autoridades, instituições de inteligência, segurança pública e aplicação da Lei e à sociedade civil para auxiliar no desmantelamento dessas subculturas de ódio e intolerância”
E sim, trata-se de um estudo realmente aprofundado sobre o NSBM, com método científico aplicado e diversos critérios objetivos. Segundo o relatório:
A Stop Hate Brasil empregou critérios sólidos e rigorosos para a identificação e classificação de bandas associadas ao National Socialist Black Metal (NSBM). Esses critérios incluíram a análise detalhada de capas e contracapas de álbuns, símbolos utilizados, títulos de álbuns, imagens de divulgação, a presença das bandas em sites e festivais do supremacismo branco global e voltados à disseminação do NSBM, títulos de músicas, análise das letras quando encontradas e o reconhecimento dessas bandas, pelos próprios círculos extremistas, como parte dessa subcultura. Tal abordagem permitiu uma avaliação criteriosa que garantiu a precisão e legitimidade das nossas conclusões, fundamentando-se em evidências empíricas claras e verificáveis. A Stop Hate Brasil também realizou consultas e reuniões com indivíduos especializados na própria cena do Black Metal.”
Tudo isso poderia ser descartável caso fosse apenas discurso, mas não é o que nos deparamos. A análise foi rigorosa e sem acusações não fundamentadas. O mapeamento realizado foi algo jamais feito com tamanho grau de precisão. Foram identificadas a existência de 125 bandas brasileiras de NSBM e este é um número alarmante se pensarmos que estamos no Brasil. A metodologia envolveu conteúdo lírico, simbolismos, reconhecimento pela própria subcultura existente, canais ligados à rede global de terrorismo Terrorgram, websites especializados, plataformas digitais, websites extremistas voltados a disseminação do NSBM, artigos acadêmicos, participação das bandas em fests estrangeiros neonazistas assim como a colaboração com músicos internacionais que compactuam destas ideologias de forma aberta.
Justiça ao Mayhem?
É importante mencionar que o estudo também atestou que bandas frequentemente mencionadas como parte destas associações com o neonazimo, não são citadas ou indicadas dentro do próprio ecossistema digital vinculado à subcultura extremista. Uma delas é o Mayhem.
Além disso, existe um cuidado muito grande para que não se cometa injustiças. Dessa forma, não é conveniente fazer acusações ou imputar crimes sem que todos os trâmites legais sejam respeitados. Segundo o relatório:
“De acordo com a legislação vigente, toda pessoa é considerada inocente até que se prove o contrário, ou seja, até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Esse princípio, que está consagrado na Constituição Federal e nas normas internacionais de direitos humanos, assegura que ninguém seja tratado como culpado sem o devido processo legal.”
No mais, foi apresentado um estudo detalhado sobre o surgimento do NSBM no Brasil, assim como a disposição geográfica das bandas em atividade. Das 125 bandas, 48 não se tem dados conclusivos sobre sua origem. O PDF tem 36 páginas e é um trabalho que merece reconhecimento e notoriedade.
Encerrando, a forma realmente adequada de lidar com este problema é como a Stop Hate Brasil indica:
“Em caso de identificação de práticas criminosas, é fundamental denunciá-las às autoridades competentes.
Denuncie no canal oficial COMUNICA PF”
Para acessar o COMUNICA PF e fazer uma denúncia, clique AQUI.
Para acessar o relatório completo da Stop Hate Brasil, solicite via e-mail: Stophatebrasil@gmail.com