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Resenha: Apocrifus – “Reflections of Darkness” (2023)

O Apocrifus, banda de Black Metal do Rio Grande do Sul, finalmente lançou o álbum chamado “Reflections of Darkness”.

O álbum marca o retorno de uma banda brasileira de metal extremo dentro do nosso cenário. E tudo isso vai de encontro ao fato de que várias das cidades do nosso país sejam frutíferos celeiros para esse tipo de investimento.

O Apocrifus é natural de Bagé e surgiu em meados de 1997, sendo uma das típicas bandas que surgem em lugares mais afastados, tendo a visualização de seus trabalhos mais ofuscada por conta dos principais eixos da música pesada por aqui. Certamente, as dificuldades que envolvem os músicos nascidos e crescidos em lugares assim, soam sempre como altas trombetas em questão de problemas estruturais e financeiros. Ou até por vontade própria mesmo. Portanto, cada caso possui a sua própria história. O que não é o caso por aqui. Outro fator que desafia os garimpeiros da boa “múzga” é o lance de encontrar bandas interioranas com muita garra e, por vezes, mais empenho do que as bandas residentes em cidades satélite.

O retorno solitário do Apocrifus

A banda que pratica o chamado Symphonic Dark Metal, havia encerrado as atividades após quinze anos de estrada, o que não é fácil para ninguém. Entretanto, o fim não poderia acontecer dessa forma.

Foi a partir daí que, recentemente, tentaram reviver o espírito do Apocrifus. Porém, a reunião dos membros originais não foi viável. Assim sendo, a ideia ganhou uma nova fórmula de apresentação. O dono do projeto, Gladimir Purper, acabou por incorporar todas as posições dentro e fora da banda, então se tornando o único componente. Portanto, o Apocrifus se tornou uma nova one-man-band, ou banda de um cabra só, na tradução de rua.

Sua sonoridade carrega consigo os laços sombrios do Black Metal orquestral, embora não seja totalmente alinhado com as temáticas exploradas em letra, como o autoconhecimento e nas premissas do lado sombrio da natureza humana. Por fim, como opinião própria, destaco que o que vale para a certeza de uma estrutura sonora é realmente o som, partindo primeiramente de seu alicerce. Primeiro vem a sapata e depois se constrói o quadrante. Quanto aos temas, estes estão bem ligados ao estilo até mais do que muitas outras bandas de renome vem fazendo por aí mundão afora.

Apocrifus / Gladimir Purper

Breve relato do único mensageiro do Apocrifus

O líder, guitarrista e agora “faz tudo”, Gladimir Purper (Creationism Denied, ex-The Ordher, ex-Frost Despair) comentou sobre os novos caminhos a serem percorridos com o nome Apocrifus. Vamos entender um pouco através de quem realmente está à frente do cargo:

“Este projeto surgiu de forma despretensiosa, uma maneira de exorcizar e exteriorizar meus
próprios demônios internos e, ao mesmo tempo, dar vazão às minhas ideias viscerais em um
estilo que verdadeiramente me completa. É uma jornada por territórios sombrios, repletos de
melodia. Talvez não seja a coisa mais original do mundo, mas me traz grande satisfação.”

Purper explicou também sobre a sonoridade de seu projeto:

“Eu não estou familiarizado nem acompanho a maioria das bandas de Black Metal atuais,
porque percebo que muitas delas tendem a sobrecarregar o teclado com efeitos, perdendo de
vista a musicalidade. Minha abordagem busca resgatar os riffs de guitarra e a essência do
metal, em vez de se envolver na competição de quem consegue tocar mais rápido ou de forma
mais brutal. Sempre busco equilibrar adequadamente a melodia, as orquestrações, as
harmonias vocais e os coros, juntamente com a dose certa de peso.”

Os movimentos profanos de uma só mente

“Reflections of Darkness” possui dez composições ao todo, distribuídos entre linhas densas, ríspidas, melódicas, sinfônicas, com coros e climatizações, além das mudanças vocálicas promovidas por Gladimir Purper. Entretanto, as coisas não foram tão favoráveis assim para quem estava disposto a fazer tudo sozinho. Em contrapartida, o álbum foi finalizado e muita qualidade é encontrada nesse novo caminho sombrio. O Apocrifus aponta sua bússola para as áreas menos retilíneas e um pouco mais complexas, buscando notoriedade e identidade através da concepção de sua obra.

Os laços com o metal sinfônico são breves a ponto de soarem como pontas para amarras e emendas dentro de cada canção. As nuances que envolvem o chamado Dark Metal mesclam essa onda flamejante e atingem a superfície das praias do metal negro com grande assertividade. Assim sendo, as ideias do nosso álbum não eram para estar em uma gaveta jamais. Afinal, o potencial de cada música é grande, vide as linhas de guitarras criadas pelo profissional de ofício, Purper.

Contudo, o complemento de cada enredo acabou por perder destaque, já que a especialidade da casa são as guitarras, explorando tanto as bases quanto os solos. O restante soa como complemento mesmo, só para não dizer que se trata de um disco de um guitarrista. “O Joe Satriani do Black Metal”, só para exemplificar.

Apocrifus / Gladimir Purper

O Apocrifus de ideias brilhantes e também ofuscadas por elas mesmas

Para começar a falar das faixas, podemos começar pela última, ou seja, “Souls for a Throne of Blood”. Simplesmente, a melhor faixa do disco! E não é por menos. É com toda a certeza a faixa mais endiabrada do álbum. As outras canções possuem seu nível de potencialidade, mas o fechamento do álbum ocorre com mais intensidade, mostrando uma melhoria acentuada nas gravações.

Antes de tudo, é bom destacar que essa melhoria pode ser observada se você ouvir faixa por faixa com a devida atenção. Portanto, para melhor elucidar essa informação, vou destacar os motivos através da passagem pelas outras músicas. Assim, estaremos entendendo simultaneamente sobre o que de fato ocorreu para as ideias de Purper não terem sobressaído por completo, embora sejam muito promissoras.

Visitando o vale da profecia pouco aproveitada

“Prelude to Redemption” ensaia uma introdução de quase dois minutos e abre caminho com as orquestrações e climatizações específicas. Imagine a sua mente invadida por vozes e tais arranjos de fundo. Logo após, temos linhas em coro que culminam em tal abertura. As cortinas se abrem para “Into the Infinity of Silence”, faixa que possui um poder de arranque muito bom, mas que derrapa nas entrelinhas viscerais de bateria. O poder marcante vem das guitarras e um pouco dos vocais. Entretanto, os vocais soam como em um ensaio inicial, enquanto as linhas de guitarra são as partes que se sobrepõem de maneira positiva. Assim, se fosse uma música somente com voz e guitarra, poderia soar até melhor, já que a bateria eletrônica tira boa parte do ímpeto dos riffs e dedilhados. Automaticamente, isso acaba por tirar o brilho das nuances e o emprego das partes sinfônicas dessa joia mal lapidada.

Apocrifus – “Into the Infinity of Silence” single

O fantasma do Apocrifus

“Ghost” é um nome que assusta. Não tanto pela banda Ghost, mas muito pelas atrocidades atuais lançadas com a alcunha de Ghostbusters. Porém, o seu início lembra um pouco algo de Death Metal com uma intro cadenciada através de acordes cheios e graves. Novamente, a bateria tira o ímpeto desse riff promissor. Simplesmente pelo fato de parecer um som de plástico.

Observe bem somente a bateria. Além de estar mais baixa, dá a impressão de estar sendo tocada com cuidado e sem precisão. Para não dizer sem vontade. Os dedilhados com intervalos são muito bem executados e o contrabaixo… O baixo? É um rascunho feito por um guitarrista competentíssimo quando o assunto é tocar guitarra. A climatização promove um pouco de anseio e mistério sob o luar da sinfonia. Lamentavelmente, era para as linhas de baixo livres soarem bastante cavernosos, precisos e impetuosos. Mas não é o que notamos por aqui. O potencial é gigantesco, mas acaba pecando durante sua execução.

Um som que renasce e agoniza em seu leito de morte

O início dessa canção seria devastador se houvesse uma bateria de verdade. O som extremo entra em cena e acaba sentindo falta dessa pancadaria tradicional do estilo misturado com a sinfonia. É notória a lembrança do Evil War, banda de Black Metal surgida no Paraná e que durou até 2008, e também do Dimmu Borgir nos seus melhores momentos em convívio com as orquestrações. “Reborn and Agonize” é aquela típica música extrema que, se bem lapidada, poderia render ótimos frutos. Quem sabe em uma versão nova ou até mesmo sendo bem executada ao vivo com outros músicos do mesmo calibre de Purper.

“Slave of Illusion” começa de forma bem contundente para o lado sinfônico. Até mesmo as linhas de baixo e bateria começam mais calmas e a audição fica um pouco melhor. Não que a fraca timbragem melhore a tal ponto, mas talvez pelo fato de serem tocadas menos notas em curtos espaços de tempo. A virada para o Black Metal acontece de maneira bastante natural, com dedilhados excelentes de guitarra. As pausas para pitadas de falatório baixo soam positivas e os riffs com pequenas pausas soam muito bem. Porém, como os pedais e todo arsenal de percussão não exerce devida força, toda a climatização não oferece o efeito imediato a qual estariam desempenhadas para tal. Quanto aos vocais, estes sim se sobressaem um pouco mais, porém não chegam aos níveis das partituras de guitarra.

Arranjos sem tons graves

Teclados apostos, guitarras rangendo fortemente, bateria… Bem, quase. A tentativa é boa, porém sem aquela devoção costumeira para com o instrumento. Soa muito plastificado e isso afeta toda a estrutura, misturando essa sensação estranha e passando esse vírus para as outras quadras desse casarão sonoro. As ideias são ótimas e a ordem a qual são depositadas idem.

Vozes em coro, arranjos orquestrais, baixo e bateria pulverizando levemente a região e guitarras incendiando o local sem piedade. Há alguns experimentalismos bem interessantes, mas que também perdem boa parte da força pelos mesmos motivos. Por fim, os solos são um atrativo à parte de tão qualificados.

Apocrifus – “Slave of Illusion” single

Após a metade da obra vem um pouco de melhoria no alicerce

“Malign Profane” oferece um pouco mais de obscuridade ao colocar o baixo em primeiro plano, tendo a condução de pratos proferidos pela bateria de forma contida e sem muito alarde. Os versos são colocados à mesa junto aos acordes mais vagarosos, assim abrindo espaço para simulações orquestrais complementarem o pano de fundo com sabedoria.

Os vocais principais junto com os corais não soam tão bem como deveriam, pois o coro acaba cobrindo a voz principal, talvez até por ser uma linha rasgada e não gutural. Pode ser somente questão de volume ou sei lá. Eu não estava no estúdio e não sou perito em gravações, infelizmente. Mas, um dia serei e as minhas observações serão ainda mais detalhistas. Traduzindo: serei mais chato ainda! Porém, sem inventar ou esconder qualquer ponto negativo. Afinal, esse é um aprendizado tanto para o artista quanto para quem escreve sobre o seu respectivo trabalho.

Tornar a banda uma one-man-band não é tão simples como possa parecer, pois vai depender muito do desempenho inicial de um projeto. Apesar de tudo isso, existem pessoas de todos os tipos e com gostos para lá de variados. Ainda sobre a canção, esta retoma os momentos mais cavalares e ensaia um avanço das tropas do anoitecer eterno, porém os blast beats não apresentam energia suficiente para isso. Entretanto, o destaque vai para os solos de guitarra e as variações sonoras muito bem inseridas na trama.

O arranjo temático desse segundo tema instrumental promove o descanso de várias crias de uma lenda do submundo. “Lullaby for Succubi” oferece um duo entre vozes masculinas operísticas e um coro feminino.

Apocrifus / Gladimir Purper

Após o plural de Succubu, o último arremesso do tridente

O último arremesso vem com cada canção em uma ponta do tridente do verdadeiro governante desta terra. Quem chega ao serviço primeiro é “Watch Out for Your Wishes”. O título diz para tomar cuidado com os seus desejos e me parece que não houve cuidado ao apurar essa nova saga em disco. Porém, o discurso musical sofre uma boa melhora, tornando o elemento inicial mais extremo que outrora.

As guitarras alternam entre o Black, Death e até Rock alternativo (daqueles com distorção pesada e riffs secos). A sinfonia toma conta do cenário mais uma vez e dessa vez não atrapalha as linhas vocais principais. O problema nunca resolvido é o da bateria mesmo, tendo uma perda no poder de ataque nos momentos mais insanos da música. É como se uma linha cobrisse a outra, além desta que atropelou a outra, se perder no meio do caminho. A sorte é que as partes de guitarra são pujantes o suficiente para te conduzir pela estrada de limo sobre o calcário.

Hoy Brujerizmo pa ti Satanismo!

Estamos diante de um cover dos chicanos do Brujeria! É isso mesmo? Esse riff inicial é quase uma cola do riff clássico da faixa “Brujerizmo”, do álbum homônimo lançado em 2000. Porém, não se trata de um cover, mas da canção chamada “Nefastu’s Revenge”.

Brincadeiras à parte, aqui a junção entre guitarra e bateria soa melhor, e a sequência sempre com o pano de fundo em sinfonia, ganha tons mais cadavéricos e extremos, pendendo para um caminho mais intenso até então. O Black Metal corre nas veias lamuriantes do multi-instrumentista em questão. Além disso, é nítida a impressão voltada para o Fear Factory nos mínimos detalhes dessa correria percussiva toda.

As linhas mais sinfônicas se apresentam com mais ênfase e colocam a canção em modo de variância contínua, mas sem perder o compasso tradicional. Vocais falados como em uma rádio ou alto-falante, expressam seus versos com desejo de vingança em meio a toda uma climatização especial e necessária. A parte final carrega todo esse material bruto de extrema radioatividade musical e fecha o nono capítulo de maneira digna.

Apocrifus / Gladimir Purper

Poderia ser assim durante toda a jornada

Eis que é chegada a melhor faixa do novo álbum. “Souls for a Throne of Blood” surge com uma intro já bem incisiva, misturando riffs simples com dedilhados em escalas bem elaboradas para esse princípio de som. A jornada prossegue com um avanço em proporções altas, fazendo perseverar a aura negra da canção. Em seguida, temos uma bela nuance exercida pelas arestas sinfônicas sob o comando dos vocais do líder solitário.

Voltamos a contemplar a página inicial, até que esta retoma um caminho médio entre a sinfonia e o Metal mais amassado pelas raízes pesadas das árvores pantanosas. Certamente, as decisões tomadas por aqui foram as melhores possíveis e isso acabou resultando em um ótimo trabalho. Nem mesmo o fato da sonoridade da bateria não apresentar seu melhor desempenho, prejudica a canção. Obviamente que a timbragem sendo mais robusta, poderia trazer ainda mais qualidade para a canção. Mas, vamos com o que temos.

Aqui também há partes faladas e envoltas por tons cibernéticos e climatizações da natureza em decadência. Afinal, estamos falando do submundo da nossa própria mente. O inferno astral do nosso espírito exemplificado pela agressiva bateria, que apesar de apresentar melhorias, ainda carece de uma produção final melhor. Assim sendo, o fim justifica os meios para apresentar as novas ideias dessa inédita jornada do Apocrifus.

Conclusões finais

Em primeiro lugar, devemos destacar o empenho de Gladimir Purper para continuar com a trajetória junto ao Apocrifus, mesmo que como um cavaleiro das sombras solitário. A vantagem é que ele tem a liberdade para expor todas as suas ideias sem haver questionamentos ou mudanças no meio do percurso. Entretanto, aí é que mora o perigo. Afinal, nem tudo o que é composto por uma única pessoa, é feito de forma organizada a ponto de alcançar o resultado ideal.

Durante esta viagem por escrito pudemos notar o quão problemático foi a questão do alicerce das canções, acarretando em diminuição do poder de fogo das mesmas. Enquanto todas as linhas, harmônicas, pontes e solos de guitarra estavam em alto nível para se ouvir, os outros pontos não estavam no mesmo caminho. Isso causou certa estranheza e reduziu o entrosamento dos instrumentos dentro das composições. Porém, sempre vale ressaltar as excelentes ideias contidas no álbum “Reflections of Darkness”. São tão boas que podem se sobressair ao serem tocadas ao vivo por integrantes tão competentes quanto o nobre cavaleiro das sombras.

Apocrifus / Gladimir Purper

Observações sobre certo desencontro de informações

Decerto, já tivemos problemas com a falta de informações ou informações incorretas sobre uma banda ou projeto. O Apocrifus se enquadra nesse aspecto ao analisar suas fontes. Enquanto as informações oficiais tratam o novo disco como o segundo álbum da banda, como o próprio release, colocando “Insanity Dreams”, de 2003, como o debut da banda, outras fontes o tem como a segunda demo dos caras.

Além disso, também é citado o EP “Souls for a Throne of Blood”, gravado em 2005, sendo que esse mesmo é colocado como outra demo e com o ano de lançamento datado em 2006.

Por fim, ainda temos o nome da banda sem acento agudo em um lugar e com acento agudo em outro (Apócrifus). Sem contar o fato de que está marcado que o Apocrifus acabou após o lançamento desse novo full length.

A solução primordial é atualizar todas as informações em todas as fontes que agrupam o nome dessa agora nova one-man-band. Assim, não haverá desencontro de informações e isso evita qualquer tipo de desentendimento.

“É uma jornada por territórios sombrios, repletos de
melodia.”

nota: 6,5

Integrantes:

Faixas:

1. Prelude to Redemption
2. Into the Infinity of Silence
3. Ghost
4. Reborn and Agonize
5. Slave of Illusion
6. Malign Profane
7. Lullaby for Succubi
8. Watch Out for Your Wishes
9. Nefastu’s Revenge
10. Souls for a Throne of Blood

Redigido por Stephan Giuliano

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