Sabe quando você encontra aquele disco com grande parte dos elementos que te agradam no Death Metal? Este é um caso bem específico, no qual pude notar tais características que me trazem muita vontade de ouvir e tendo a segurança de que esse alicerce se manterá até o final da audição do álbum. Normalmente, eu não começo uma resenha elogiando o disco logo de cara, mas dessa vez eu optei por isso até para mencionar o quão a Grécia evoluiu dentro do mapa mundi do Metal. “A Path Befouled” não só é um ótimo disco como também possui um excelente cover do glorioso Asphyx para a magnífica música “Deathhammer”. E se você achava que os gregos estavam indo bem somente no Black Metal, Power Metal e Thrash Metal, o Death Metal do Arcane Dread está aí para ampliar o leque de bandas com grandes trabalhos lançados. Originária de Naousa, na Macedonia Central, a banda surgiu em 2018 e no ano seguinte lançou seu debut nomeado “Mist & Marshes”. O multi-instrumentista Typhonas (Helgast, Miasma, Sulferon, ex-Impalement, ex-Moloch, ex-Obscence) era a principal mente pensante por trás do Arcane Dread até 2020, quando entrou para reforçar as ideias para os trabalhos seguintes, o vocalista Greg Barlas (Extremity Obsession, Infernal Throne, ex-Drama Noir (live)). A linha sonora do Arcane Dread percorre as influências contidas nas clássicas bandas como Deicide, Asphyx, Morbid Angel, Possessed, Immolation, dentre outras desse mesmo precioso calibre.
Para entender melhor os motivos destes aspectos iniciais quanto a este novo trabalho dos gregos, te convido para mais esta viagem sonora onde estaremos nos aventurando por terras helênicas em meio às lendárias coríntias e todos os monumentos de eras passadas com o forte tempero do Metal extremo. Entre ilhas e cavernas subaquáticas sempre existem aqueles mistérios que nos fazem ter uma ideia ainda maior sobre o que estamos presenciando, e sem viajar muito na “maiô”, vamos averiguar esse documento do Metal mortífero e sobrenatural. Os primeiros passos da criatura são dados para dentro deste mundo caótico com o medo provocado por quem não está preparado para tal desafio junto ao som de abertura intitulado “Fear Instilled In The Blood”, instalado no sangue e na própria alma. A constante irrigação do solo infértil e pútrido alimenta a raiz de cada árvore banhada em sangue para que os riffs insanos prevaleçam e ditem o ritmo da obra a partir de seu início. O andamento sonoro se eleva em momentos propícios para ecoar em todas as covas que os gregos cavaram, estando prontos para destruir a alma penada de quem ousar não presenciar o ato musical. Em um subconsciente repleto de podridão, a mente humana é carregada com “Subconscious Rot”. O baixo fica mais evidente, porém, se a produção ficasse um pouco melhor não daria a falsa impressão de “saltos” em determinadas passagens. Em outros momentos a canção funciona de forma correta sem causar nenhum tipo de estranheza. E esse possível erro acaba se tornando meio que um acerto, já que o Death Metal é causador de podridão sonora também chamada de “anti-música” por alguns adeptos.

Estamos vendo que na Macedônia Central existe Metal, apesar de ser tão conhecida no certame metálico e se apresenta muito bem até então. Como uma típica faixa que surge para espalhar o terror em seu toca-discos apoiada por uma breve intro de mesmo tema, “A Path Befouled” é a tradicional faixa-título que vem para reforçar as ideias contidas no álbum e seu próprio nome. Mais encorpada e densa que a canção anterior, parece que o baixo se firmou melhor através dos arranjos mais precisos numa condição melhor trabalhada. O momento em que a guitarra abre realmente espaço para o baixo se sobrepor é algo muito marcante, o que traz todo o charme rítmico à tona juntamente com o destaque devido por se tratar da faixa que carrega o nome do álbum, e se alguém arriscar dizer que possa ser o melhor hino mortífero do disco não estará errado de forma alguma. Enfeitada por uma introdução nova com os mesmos padrões de sua antecessora, “Vine Voracious” traz a locomotiva carregada com muita lenha para queimar. O submundo vibra com os corpos agitando a sete palmos da superfície durante a passagem deste som. Typhonas comanda todo o alicerce sonoro e acertou em cheio ao trazer Greg Barlas que exerce o seu papel com maestria, acrescentando seus vocais cavernosos e bastante atrativos aos ouvidos dos adeptos deste subgênero “dumal do raio que o parta em dezoito”. O comboio segue firme até a próxima estação infernal onde seus passageiros desembarcam para encarar o próximo hino de devoção à carne sangrada pelo sofrimento de uma vida meramente inútil e em vão.
A quinta etapa do processo criminal é composta pela caça aos trolls. Seriam os trolls da internet ou aqueles seres clássicos da Terra Média? Essa eu deixarei para os universitários responderem, pois em questão de sonoridade ela é até um pouco puxada para o Thrash Metal em seus primeiros acordes, mas que através de seu andamento regular retoma o estado natural da ideia oferecida em primeiro plano. O baixo conta o tempo enquanto a bateria empilha os caixotes com os corpos nas prateleiras mais altas sem tombar a empilhadeira e destruir as docas. O produto ganha força e se torna altamente nocivo aos famigerados ouvidos sensíveis. Bruta, rasteira e voraz. Essa é a receita utilizada pelos gregos neste cenário caótico e escurecida devido ao cheiro de ferrugem orgânica. “Troll Hunter” cumpre muito bem o seu papel de aterrorizar a quem não está acostumada com sonetos mais “românticos” e a meu ver deixa o álbum ainda mais equilibrado e coeso com relação à ideia apresentada. Logo em seguida após a caçada aos trolls, simplesmente surge aquele cover já anunciado no prenúncio da carta magna “muzgal”. Estamos falando da clássica e enobrecida “Deathhammer” do maquiavélico e desgraçado de ótimo, Asphyx, faixa que pertence ao esplêndido álbum de mesmo nome lançado em 2012. É aquele cover que é tão bom que te dá vontade de ouvir o som dos holandeses em seguida. Como não há defeitos nessa música em seu formato original, o cover também não tem e traz um brilhantismo ainda maior ao disco que por si só já atrai diversos fãs do próprio Asphyx, assim como o dono da caneta digital que redige neste momento a você, nobre e caríssimo adepto da boa ópera do fim da vida carnal.

Na sétima colação aparece Felipe Massa… Ops! Acho que errei a curva! Digo “Decomposition In E Minor”. O próprio nome já diz que a viola vai pro saco em E (mi) menor para que a dor seja bem penetrante como uma agulha de encontro à pele desprovida de colete e uniforme camuflado. Aqui é onde estão os solos mais trabalhados e (apesar de) curtos que tornam a canção ainda mais aterrorizante. Não chega a superar suas irmãs anteriores, mas conquista o seu espaço no ouvido calejado do ouvinte que aprecia cada elemento e característica pertencentes ao Death Metal de modo geral. “It Lies In The Foliage” é aquela faixa direta que dispensa maiores apresentações e possui momentos que beiram o Black Metal, mas ficam somente naquele jeito de temperar a carne fria suavemente. E isso funciona muito bem, mesmo sendo a faixa final de “A Path Befouled”. Linhas de guitarra e baixo precisas para complementar o grande trabalho de baquetas, tons, bumbos, caixa, pratos e pedais. Não curto tanto quando alguém toca todos os instrumentos, principalmente a bateria, já que em suas apresentações terá de contratar um baterista para realizar tal tarefa. E a alma e dedicação colocadas ao idealizar e elaborar cada levada e virada de bateria acaba sofrendo algumas alterações por contar com outra pessoa no comando. Não que esta irá mudar o que foi feito, mas é a mesma coisa quando você toca um cover. Pode ficar bom, mas não é o integrante original que está tocando. No entanto, mesmo com esse tipo de caso, uma one-man-band ainda consegue realizar seus shows sem maiores problemas, até por que muitas vezes a bateria é construída de forma eletrônica e não orgânica. Só que mesmo que o integrante solo faça as linhas de bateria no instrumento realmente, ele sabe que se não contratar alguém que incorpore quase que por completo o espírito depositado nessa criação, poderá sabotar a sua imagem e reputação para próximos compromissos. Quanto ao disco, não há erros nas linhas oferecidas percorridas em questão. E quem sabe o duo grego possa dar as caras pelo nosso país em breve assim que os shows puderem retomar o seu ritmo habitual. Munição e inspiração eles possuem de sobra para um próximo álbum de inéditas também.
Terrenos pantanosos contornados por grandes lendas através de fatos e contos envoltos de muito folclore são os principais temas do duo grego, e mesmo em tons mais carniçais em se tratando da sonoridade em si, e também da conduta textual elaborada estar mais voltada a isso, o Metal é livre de amarras e a banda não somente pode como também deve explorar novos horizontes temáticos, sem que perca a sua identidade, ou que não desista do caminho para que adquira a sua. Com o tempo e novos trabalhos ela pode amadurecer e transformar algo que era quase abstrato em um material bastante robusto. O Arcane Dread pode vir a se tornar maior do que é hoje logo adiante, mas para isso deve manter a seriedade que pude conferir nesse novo trabalho com suas influências exatas e precisas que funcionaram muito bem e que abriram espaço para aquele que fechará a sua trinca de discos inicial. A Grécia é um país rico por sua paisagem, suas histórias, seus contos e tradições, mas também por sua arte. E através do Heavy Metal, este lugar belo e exótico figura entre os países emergentes neste quesito ao lado de vários outros países que não apareciam nem na foto outrora. O momento é ótimo para o Metal e que cada vez mais países possam e consigam adentrar a rota da arte que ama sacanear com os costumes imbecis da sociedade comum.
Nota: 8,8
Integrantes:
- Typhonas (todos os instrumentos)
- Greg Barlas (vocal)
Faixas:
- Fear Instilled In The Blood
- Subconscious Rot
- A Path Befouled
- Vine Voracious
- Troll Hunter
- Deathammer (Asphyx cover)
- Decomposition In E Minor
- It Lies In The Foliage