Quando surge alguma novidade oriunda do famoso bueiro, os adeptos da música podre e insana se alegram e buscam saber do que se trata. Já imaginando ser o lançamento de alguma figura diabólica mais conhecida e mais tempo de estrada, ou até mesmo o trabalho de alguma banda nova, esses buscam realmente pelo conteúdo da notícia. E é para isso que estamos aqui. Para contar sobre mais esta grata novidade (ou não) pertencente a uma das novas joias do inferno. Estamos falando do Hellcrash, banda italiana de Santa Margherita Ligure (Genoa), herdeira das linhas pútridas sonoras do compatriota Necrodeath, que também lançou disco novo esse ano. Via Dying Victims Productions, a horda da terra da bota lançou seu segundo full length no dia 24 de março. Assim como Desaster, Nocturnal, Deströyer 666, Craven Idol e Transilvania, o Hellcrash está em plano terreno para amedrontar os puritanos, ortodoxos e frescurentos de plantão. Com seu mais novo álbum, buscam ampliar seu poderio e aumentar a qualidade de suas músicas. Se você se assusta com a sonoridade do mais profundo bueiro, continue por aqui. Afinal, vale mais um susto do que alguém em fuga antes da cena eletrizante acontecer.

O aviso foi dado! Agora vamos embarcar nas tubulações do underground sujo com cheiro de madeira gasta e cerveja velha!
O início da viagem é marcado por sonoridades que remetem ao espaço, ao mistério e as profundezas de um mundo destroçado pelas forças do mal.
Após a “Intro”, nos vemos diante da destruição sonora em massa, dado por uma explosão vulcânica envolta por ritos necromânticos. Nos moldes da escola constituída por Venom, Hellhammer/Celtic Frost, “Volcanic Outburst” não esconde suas origens e apresenta todo seu arsenal voltado para a sororidade imunda, desgraçada, visceral, com cheiro de sangue coagulado e pisoteado. O Rock Veloz se une à podridão extrema do Black/Thrash, subgênero híbrido mais sólido do Metal. Bateria desenfreada, riffs intensos como um choque de espadas. Almas atormentadas presenciam o massacre sonoro junto ao sigilo de Baphomet. As legiões do mal assumem o comando, enquanto os tiranos de Hades ditam o genocídio. A sonoridade desenfreada prossegue e a vocalização vocifera ditos como: “A fornalha do Gólgota forja nosso aço / Lúcifer ri para o nosso sábado do pecado”. Além das figuras famosas citadas, também presentes na letra os seres malígnos como: Satanás, Acheron, Styx e Deus.
“Okkvlthammer” é daquelas paródias por escrito e voltadas para o “capirotesco”, elevando a força do martelo do patrono do submundo. A corrida nos arredores do desfiladeiro de riffs estridentes e afiados, abala as estruturas da cadeia de montanhas do vilarejo, causando desmoronamentos diante da rispidez e ao lado imundo, profano e insolente da música. Os diferenciais, pequenas pausas e levadas distorcidas, além dos solos cheios de notas harmônicas, diferenciam e elevam a qualidade da trama obscura. O final é aquele formato de término de canção em um show num bar perdido da cidade. “Martelo do diabo, golpeando na noite / O pentagrama está queimando, brilhando no céu / Perdendo o controle, cruzada de Satanás / Junte-se ao nosso exército ou seja escravizado” – o caos está formado e com ele toda a leva de criaturas obscuras para o sacrifício neste plano astral. Ou você se alinha, ou sofrerá os golpes de uma desgraça completa e eterna.
A cripta do líder do submundo é das mais tenebrosas e sua trilha atende obviamente por “Satan’s Crypt”.
“All gathered up at the midnight hour
The sky is black and the moon is full
The sacrificial rape is at his highest
The gleaming eyes of the serpent glow”
Após a breve intro instrumental e emendada pelos versos acima, a chama da tocha recebe uma ventania descomunal, provocada pela bateria. Seu andamento é marcado por notas hipnóticas e agressivas dentro dos riffs, agregando ao seu império de som sujo e venoso. A mistura de Speed e Black/Thrash fica evidente durante as partes que precedem o pulsar solitário do baixo de Skullcrusher e incansável ímpeto do baterista Nightkiller. Os solos curtos exaltam o rito de estupro sacrificial que é evidenciado e detalhado pelos caminhos tortuosos e simplórios de seus versos. Ficou com curiosidade? Serei bonzinho contigo e colocarei um trecho bastante específico sobre o tema destacado: “Ela está amarrada, sobre o altar / Cordas tão apertadas que cortaram sua pele / Fodida com tanta força que ela fica inconsciente / Antes que ela descubra que o esperma do diabo é frio”.

Se na novela que passava no SBT, tínhamos a usurpadora, no sul do céu de “Demonic Assassinatiön” temos “Usurper Of Hell”, faixa esta que carrega os recursos de suas antecessoras e aposta na manutenção de padrão, sem transcender para outros caminhos, combinando com sua temática de retorno triunfante de seu antigo líder, usurpando o cargo de quem o substituiu. Os riffs incandescentes de Hellraiser, dono também das vozes do disco, ecoam por toda a masmorra e abalam todas as estruturas. As linhas de bateria e baixo também entregam um misto de velocidade, insanidade, empenho quanto à sujeira e colocam no mapa da mina mais uma canção extrema. “A chama negra queimará seu reinado / A cruz de ferro atingida pelo raio que iniciará o incêndio / O sangue do tirano fluirá, as forças de Hades assumirão o trono durante a noite” – Hades é figura central dos versículos desta bíblia satânica e seu exército se consagrará após o domínio territorial completo. “Abyss Of Lucifer” revela o quão longínquo pode ser o fundo desse poço. E é através da introdução, emendada por um solo rápido e rasteiro, que remete a uma queda brusca para o abismo infernal. Você se sente sugado e transportado até esse lugar, que é ao mesmo tempo gélido e borbulhante. A fórmula da imundice unida à velocidade permanece firme e provavelmente seguirá até o rodapé do disco. Já no texto, é anunciada a morte de Trinity no momento em que as hordas conquistaram os céus. Isso provoca vários fenômenos durante a trama como o escurecimento das estrelas do firmamento, a luz do sol e o reflexo da lua que deixaram de iluminar o espaço. Toda essa programação fez exalar um vendaval medonho, provocando a invasão dos portões pelas bestas do Armagedom. O que se percebe é que são comuns diversas aparições de personagens mitológicos nas canções.

Após despistar um réptil que estava seguindo o arqueólogo e garimpeiro do Metal, este encontra próximo a entrada de uma caverna gélida uma placa com os dizeres: “Serpent Skullfuck”. Com sua tradução plenamente escancarada, a canção da serpente envolve sua presa nos primeiros segundos de sua trajetória alucinante e decadente (no bom sentido, obviamente!), Os moldes do Venom estão mais presentes do que nunca, tanto em ritmo vocal quanto os acordes, além da bateria completamente crua e numa linha tênue, quase estragando todo o planejamento. Os solos se mostram mais limpos e voltados ao Speed/Heavy, ao mesmo tempo em que a cavalaria opta pela velocidade menos poluída, dando um pouco mais de razão ao fato da banda se auto intitular como Black/Speed Metal. Algo de Alcoholic Rites pode ser encontrado junto ao desfiladeiro de riffs e mudanças breves de andamento quanto ao “estupro” sonoro. “Perversão desenfreada, na Idade do Ferro / Quando as cabras negras caminharam sobre a terra / Vítimas de sacrifício foram decapitadas / Jogado nos poços de Gomorra” – a sequência da história envolve sempre o sacrifício envolto por fornicação perante o trono do filho da luz.
Nenhuma oração perpétua pode conter esta força chamada “Finit Hic Deo”. Os golpes de espada em formato de guitarra após a breve intro com a bateria realizando a marcação necessária para tal. Um pouco mais contida com relação à agressividade, a guitarra do também cantor Hellraiser oferece ao ansioso e nefasto ouvinte um prato saboroso com sabor de Motörhead e bandas de Speed Metal moribundo, diretamente das profundezas do lodo infernal. Os diferenciais na sonoridade afetam positivamente a estrutura da “múzga” e promovem o espaço ideal para os solos percorrerem feito água em formato de turbilhão. Destaque para o baixo com um dedilhado digno de respeito próximo ao término do hino catastrófico. “Nenhum lugar para correr, nenhum lugar para se esconder / Morra pela espada, o grito do inquisidor / Templo do pecado, eternamente amaldiçoado / ‘DEUS TERMINA AQUI’ esculpido na porta do Inferno” – como podemos notar aqui, a frase em caixa alta é o significado do nome da canção em latim. A esperança simplesmente não existe, muito menos a luz. A lâmina da espada se torna cada vez mais afiada conforme as tropas avançam. “Ele é a morte, ele é a dor, ele anseia por sangue / Cavaleiro de Lúcifer, o senhor profano / Profanando essas vítimas até o último osso / Infestando com praga enquanto reinava no trono” – toda a profanação e desolação possui um nome na qual é citado com ênfase na canção. Valak, segundo a demonologia e goetia, é a sexagésima segunda entidade demoníaca do manual legemeton/grimório do rei Salomão.
“Graveripper” vem na próxima toada e sem perder tempo, já libera os pesadelos trovejantes em forma de riffs e solos iniciais. O início é Speed e a sequência marca o retorno do Black/Thrash para a horda de guerreiros do submundo. Bateria incessante, baixo preciso e o maior destaque, a poderosa e audaciosa guitarra, embora as linhas de bateria se apoiem freneticamente aos pedais duplos. Isso faz com que Hellripper possa vociferar com mais liberdade e colocar mais molho de sangue nessa faixa. Mais solos atravessam os horizontes dos alto-falantes e enriquecem a jóia bruta. “Eu nasci para atormentar os mortos / Eu nasci no fogo, saí do inferno / Eu esmago as lápides, exumo seu cadáver / Minhas garras rasgam a carne decomposta / Nada pode me prejudicar, encarnação da morte / Um acordo com o diabo, Mefistófeles!” – o comando dos cadáveres está em evidência e os ritos pervertidos são feitos aos montes na cripta dos condenados. Cada túmulo é esmagado por conta da força profana que dilacera a carne podre e oferece a quem vê, o odor da morte. Este simplesmente é:
“I am the Graveripper, the Graveripper!
I was born to destroy, and torment the dead!”
“Demonic Assassinatiön” fecha os trabalhos de maneira arrebatadora, eliminando seres imprestáveis e nocauteando aqueles que pensam ser alguma coisa. O dono do nanquim infernal a tem como sendo a melhor faixa desse impetuoso full length e é algo a ser festejado. Enquanto surge das cinzas a corda de guitarra, que vibra continuamente, a marcação do baixo aparece e convida a bateria para dar seus primeiros passos. Após mais um preparo é hora de soltar as carroças com as mais variadas criaturas em busca de suas vítimas. Com variações voltadas ao Thrash, a canção ganha tons em preto por conta do belo trabalho feito sob comando do estilo híbrido a qual a banda pertence. O momento que antecede ao solo, traz de relance o Iron Maiden e isso você tira de letra se observar detalhadamente. Há de ser dessa forma, pois se trata de uma passagem curta. Após o ótimo solo, temos uma mudança de andamento mais cadenciada para que logo depois as coisas possam esquentar novamente. A mística do Speed e do Heavy entram em cena novamente para destacar a volta do Black/Thrash Metal ao melhor estilo Nocturnal e Bewitched. E o final só poderia ser apoteótico como o término de um grande show! “A luz do sol se foi! / O diabo apareceu para lançar uma maldição sobre o louco! / O nascer do sol não virá! / Eclipse total até o dia de seu enterro!” – antes do entendimento sobre a letra, vem a curiosidade e o alívio de que pelo menos o sol citado não pertence a ditos imbecis do porte de “a lua me traiu” ou “a lua ilumina o sol”. Agora, partindo do ponto em que Satanás está por toda a parte, assassinatos demoníacos acontecem aos montes em meio à bruxaria maligna, que transporta as almas dos condenados para o lago de fogo. Em seu leito de morte, mergulhado em arrependimento, passa a preferir que seus filhos fossem mortos. É aí que a primeira prece é feita à Deus, que ignora os que vivem em pecado. O lado de cima está fechado para balanço, enquanto os anjos caídos dividem o céu. Só existe alguém que possa ouvir tal prece…
“Somente Satanás ouve seu clamor!”
Assim conforme foi dado início da obra com uma breve intro, o final também caminha para uma introdução ainda mais experimental e com ar de mistério, batizada simplesmente de “Outro”. Não sei se era tão importante incluí-la no tracklist, mas não desabona o material como um todo. Tal experimento acaba sendo interessante por lembrar o álbum “Technical Ecstasy” do Black Sabbath, lançado em 1976.

Conclusões blasfêmicas:
É claro que quando o assunto é falar de podreira, estamos sempre apostos para apreciar e informar sobre os ítens e as joias pertencentes a esse mundo dentro do universo do Metal. O Hellcrash é uma delas, e vinha sendo tratada como uma grata novidade após o lançamento do debut “Krvcifix Invertör” em 2021. Inclusive, esse agora pode ser chamado de o melhor dentre os dois trabalhos da banda italiana até o momento. Isso não é demérito nenhum, pois se trata apenas de gosto pessoal e preferência, e além do mais, o novo trabalho possui qualidades quase tão marcantes quanto as de seu antecessor. Skullcrusher demonstrou muito ímpeto, técnica, agressividade e esperteza nos improvisos. Hellraiser soube explorar de uma forma muito boa as camadas de som sujo com momentos mais limpos, principalmente durante as passagens de solo. O contraste ficou muito bem feito, embora não ofereça tanto som grave, principalmente nos momentos mais Speed das músicas. Sua voz casa muito bem com a proposta e o mesmo ainda consegue moldá-la a ponto de transmitir toda a emoção, agressividade, sofrimento e ódio referidos aos temas de cada canção. Por sua vez, Nightkiller não mede esforços para espancar seu kit, porém com algumas restrições, talvez criadas pelo mesmo. A timbragem, mesmo com o escopo de buscar pela podridão, ainda sim é fraca para os padrões do som da banda. E para resumir de vez, podemos dizer que a sequência de um ótimo álbum de estreia foi lançada e ficaremos no aguardo de uma futura e terceira bolacha incandescente.
“Naked by the throne of Lucifer
Chained to hell she spreads her legs
Blood is spilling from the headless neck
When she dies is when I cum inside!”
Nota: 8,5
Integrantes:
- Frank “Skullcrusher” Travagli (baixo)
- Luigi “Hellraiser” Castello (vocal, guitarra)
- Lorenzo Svanosio “Nightkiller” (bateria)
Faixas:
1. Volcanic Outburst
2. Okkvlthammer
3. Satan’s Crypt
4. Usurper Of Hell
5. Abyss Of Lucifer
6. Serpent Skullfuck
7. Finit Hic Deo
8. Graveripper
9. Demonic Assassinatiön
10. Outro
Redigido por Stephan Giuliano