O metal extremo ataca novamente e agora sob a batuta do Karkosa, banda norte-americana de Blackened Death Metal.
Muitos ainda teimam ao dizer que nada presta no que tange ao som pesado atual, porém se esquecem de reparar no amor que vem sendo produzido em amplitude ano após ano. Para quem ainda não é habituado sobre esse amor a qual tanto costumo mencionar, digo isso referente ao Death Metal. Ou seja, o verdadeiro amor está ligado ao metal da morte e vice-versa.
Poesias à parte, é de fato que boa parte dos que acompanham os lançamentos dos últimos anos, tendem a gostar bastante do que vem acontecendo com a música extrema mundial. Pois, não importando de que canto do mundo seja, determinada banda consegue se sobressair. E esse é o caso dos norte-americanos do Karkosa. Afinal de contas, o que ou quem vem a ser esse tal de Karkosa?
Carqueja com cravo e leite de rosas? Vamos ver se essa receita funciona!
Breve histórico do Karkosa
A banda é formada por um quarteto e é natural de Fort Wayne, Indiana, nos EUA. “Esoterrorcult” é o nome da nova joia circular a proliferar seus estampidos sonoros em busca de um lugar ao sul do céu. Inspirados em bandas do calibre de Behemoth e Belphegor, os estadunidenses buscam representar e muito bem essa junção entre o metal da morte e a caricatura sombria do Black Metal. Favor, não confundir com Black/Death Metal. O tinhoso agradece e até bate palma se estiver feliz.
Karkosa – carqueja com cravo e leite de rosas
Primeiramente, esse nome jamais escaparia das garras dos doutores em apelidos gentis e amáveis para as bandas. E em segundo lugar, serve para brincar com um assunto tão nobre e extremamente divertido. Afinal, estamos falando de “múzga” e isso é sempre muito gratificante. Em terceiro lugar, vamos ao que mais interessa!
O Karkosa abriu as alas musicais com seu debut já apresentado no dia 23 de fevereiro via Redefining Darkness Records. O álbum de estreia se une ao EP “Harvest of the Adept”, de 2018, marcando definitivamente seu pontapé inicial na jornada musical. “Esoterrorcult” possui dez canções de ninar gárgulas e apresenta uma estrutura voltada para os tempos atuais da música nefasta e maldita.
Entenderemos mais sobre isso durante o discorrer do disco, que também possui interlúdios sombrios de palavras faladas.
O Karkosa tem em sua formação quatro integrantes, além de um músico convidado. Vamos aos nomes dos jurados: Alden Debee e Brenton Weaver cuidam das guitarras; Rafael Palacios é o dono do microfone; Ian Lemberg é o representante percussivo. Já o convidado atende por Kurt Ley, sendo responsável pelas linhas de contrabaixo.
Bastidores de “Esoterrorcult”, debut do Karkosa
- mixagem, masterização e drum tracking por Anthony Longano
- guitarras, baixo, vocal tracking e fotografia por Alden Debee
- letra de Rafael Palacios
- todas as músicas são de autoria do Karkosa
- arte da capa feita por Nestor Avalos Zarate
- layout de Nestor Carrera
Agora sim, finalmente, vamos mergulhar nas ondas sonoras de “Esoterrorcult”.
Os espíritos encorajados pelo veneno de Deus
Como todo álbum de musicalidade técnica, agressiva e ambientada em climas mais tenebrosos e soturnos, o álbum inicia sua trajetória de forma misteriosa e instigante. Um grito desesperador ao fundo anuncia a devastação que chega em seguida. A horda do caos passa por cima de tudo com suas esteiras em forma de levadas insanas de bateria. Os espíritos tomam a frente após reunirem coragem diante dos percalços mundanos e também em outro plano astral. A receita de bandas de sucesso que unem elementos do almanaque do metal extremo está inteiramente inclusa. Porém, se engana quem pensa ser apenas isso. Partes com vocais limpos e desesperadores, coros, vozes faladas e recitadas, além de trilhas sonoras marcantes, fazem parte deste conglomerado inicial chamado “Encorcelled Spirits”.
No segundo plano temos a adição de veneno maléfico especial. “Poison of God” oferece ao honorável público uma boa dose de pancadaria em seu início. A impressão que fica aqui é que o peso e a agressividade ganham mais espaço e exploram mais seus horizontes. Embora possua camadas em dedilhados mais agudos, não se deixa levar pelo lado melódico da coisa e mantém o tanque de guerra na planície em chamas. Se Deus oferece a bebida venenosa, você deve obedecer e tomar até a última gota. Sirva-se desse banquete sonoro em sua totalidade! O final falado deixa mais pontas ao que está por vir.
A Tumba de Hyram Abiff e o domini sanctum
Se mexer com espíritos já faz muitas espinhas congelarem de medo, imagine violar a tumba de alguma figura histórica e de forma musical? “The Tomb of Hyram Abiff” é a terceira porta dos desesperados a ser aberta a machadadas. Esse nome remete à maçonaria e se você possui repulsa aos maçons, não se preocupe, pois estaremos apenas buscando alguns significados para as canções descritas. Assim, não perdemos o raciocínio musical e ganhamos na parte de enredo. Capiche?
A alegoria musical de Abiff
Bem, Hiram Abiff é uma figura alegórica mencionada no ritual maçônico, que é figurado como mestre de construção do templo do Rei Salomão. Uma espécie de Bob, o Construtor dos tempos antigos. Falaremos dele mais a seguir. A ala sequencial inicial é bem similar ao que Behemoth e seu conterrâneo Hate costumam apresentar em seus respectivos amálgamas. Em certo momento, os pedais disparam e não há mais espaço para qualquer tipo de dúvida. O quarteto está empenhado em trazer definitivamente a desgraçada sonora de corpo impuro e alma pútrida. Os dedilhados funcionam como uma rede de comunicação com o inferno, despertando a besta feroz em cada músico. Os vocais ardem em chamas, ganhando espaço quase que à capela em dado momento, enquanto o planisfério do contrabaixo se modifica notavelmente. Seu final é definitivo e sem qualquer guirlanda na porta.
O quarto aviso do além recebeu a nomenclatura de “Domini Sanctum”. Em um disco assim é notório que viriam faixas nomeadas em latim, dando um gostinho amargo a mais de céu e inferno. Notas estendidas dão o ar da graça, mas funcionando como uma curta introdução para a pancadaria sequencial. Os riffs trazem espaçamentos e diferenciais que provocam várias conjecturas musicais. Enquanto os vocais alternam entre o gritado e o gutural mais denso, a sonoridade atravessa os campos elíseos da tramaturgia obscura e se deparam com melodias entristecidas. Tudo isso acompanhado por linhas vocais faladas e emendadas nas partes mais intensas. Todavia, a intensidade é intercalada por trechos mais cadenciados e com dedilhados agudos como diferencial, assim como o Memoriam costuma apresentar aos seus ouvintes.
O eixo do mundo e os resquícios da criação
Notas isoladas trazem um pouco de inquietação em meio ao canto da natureza como pano de fundo. O eixo do mundo é movimentado pelos arados instrumentais vagarosos de “Axis Mundi”. Aqui, confesso que não surtiu o efeito causado pela calmaria antes do retorno da tempestade. Muita repetição de sons das mesmas aves, como se tivessem um trecho curto de trilha da selva e esticado até o tamanho da faixa.
Após as sobras de trilha sonora temos os resquícios da criação. O resto de incêndio de tudo que foi projetado por um único ser. Porém, a canção emula a síntese musical das mesmas hordas citadas ao discorrer deste papiro virtual. Parte da sonoridade traz algo muito forte de Behemoth, enquanto os vocais utilizam de artifícios dos quais o Belphegor é perito. As linhas de bateria são produto originário do manual do baterista Inferno. Os vocais mais falados se assemelham trazem um clima de terror e fim dos dias. Assim sendo, o caminho fica aberto para os tremolos em destaque causarem fissuras no solo e fazendo emergir as criaturas do submundo. Este é o significado musical de “Remnants of Creation”.
O portal ciclopiano e o trono despedaçado
Estamos diante de um portal que levará para o mundo de quem tem apenas uma visão e bem distorcida. Você não vai encontrar o Ciclope dos X-Men, mas visitará um território bastante hostil para ouvidos cravejados de porcelana. “Cyclopian Gateway” é a sétima ponte a ser percorrida pelo ouvinte e aqui é notada uma junção entre as bases pesadas e notas agudas com um som que lembra muito jogos de videogame. O pano de fundo é bem fantasmagórico e a virada de mesa ocorre instantes antes do solo de guitarra. É breve, mas compõe bem a receita. O braço extremo retoma seu posto, mas logo se diversifica, quase que pondo à prova toda a capacidade técnica dos músicos envolvidos.
Os dedilhados alternam, mas não a ponto de ser acrescentado algo na linha Prog. Dentre todas as canções até aqui, esta é a que apresenta mais elementos e surpresas, sendo bem sucedida a ponto de justificar o portal para outro mundo.
“Shattered Throne” vem para esfarelar os cacos deixados por suas antecessoras. O início é bem trabalhado e apresenta em sua trama muito mistério e perplexidade. Cada instrumento avisa do seu modo que o trono será despedaçado riff após riff. Mais raivosa do que nunca, ela surge e mostra o seu ímpeto ao atacar com fervor o volume do aparelho de som. A breve semelhança com os traços do Necrophobic são evidentes, mas as bases se mantém nos moldes da trajetória de todo o full length.
As sombras congelantes do inverno eterno e ejeções de anjos
O inverno chegou e com ele a faixa “The Freezing Shadows of Eternal Winter”. Guitarras mais densas, baixo mantendo a estrutura e bateria conduzindo com velocidade controlada. Essa é a montagem inicial para apreciar os ventos gélidos que congelam a alma, se ainda existir alguma neste corpo carnal.
A presença do ser malígno vai de encontro ao que tradicionaliza o inferno. As chamas incandescentes dão lugar ao sopro gelado, sufocante e angustiante. E é assim que os vocais se apresentam, ganhando ainda mais destaque. A sonoridade ganha uma roupagem veloz, porém com quebras e guitarras com linhas distintas. Os laços com o lado extremo são mais uma vez reforçados e fazem o contraponto ideal para o que vem a seguir.
E a seguir temos versos falados e declamados com afinco, enquanto a estrutura sonora oferece o soneto ideal para a sequência da trama. Voltando a ficar intensa logo depois.
“Angelus Ejectiones” encerra os trabalhos por aqui. Os anjos vão sendo ejetados nota após nota, alimentando as figuras lendárias e campeãs do mundo inferior. Decerto, não vemos muitas novidades nessa faixa, já que as músicas anteriores apresentaram muitas e ótimas nuances. As paradas servem para que o riff se encaixe na cabeça de quem o escuta. Mas, a bateria é inquieta e deseja acelerar todo o processo de notas compostas para essa canção. O melhor momento da música surge através dos solos e fraseados curtos de guitarra, juntamente das bases pesadas e com intervalos específicos. O final joga tudo para um lado mais fantasioso, quase espacial. Sintetizadores ligados e invocando o mistério em meio à devastação.
Conclusões sobre uma consistência devastadora
Decerto, é bom ressaltar que não é pelo motivo de um álbum possuir elementos musicais variados que foge da proposta somente por isso. Além disso, os diferenciais que percorrem e alimentam as músicas, são partes de um todo voltadas para o metal extremo em si. Portanto, não há lógica em dizer que não se trata de um disco de Death Metal, ou para melhor detalhar, Blackened Death Metal. “Esoterrorcult” não é inovador nem mesmo dentro de suas nuances, mas carrega consigo o espírito de uma banda que promete ir cada vez mais longe dentro da sonoridade agressiva e cativante. Os laços de sangue com o metal mortífero foram entrelaçados de maneira que seja reforçado cada vez mais a partir de então. Por fim, vale muito a audição dessa banda norte-americana que acaba de iniciar sua jornada de álbuns de estúdio.
Portanto, por mais blasfemo e corrosivo que seja o trabalho de estreia do Karkosa, “Esoterrorcult” atinge um bom nível a ponto de cativar o ouvinte, mesmo que o Death Metal mais agressivo não alcance essa sensação com maior frequência.
Especificações sobre a figura
Hiram Abiff é uma figura lendária na tradição maçônica. Segundo a lenda, ele era um mestre arquiteto que trabalhou na construção do Templo do Rei Salomão.
Nos ensinamentos maçônicos sua história é de fidelidade e morte antes da desonra.
Hiram foi assassinado pelos seus próprios aprendizes que tentaram forçá-lo a revelar os segredos do ofício. Na maçonaria, a história de Hiram Abiff é usada como um símbolo de lealdade, integridade e a busca pelo conhecimento.
No entanto, mais do que isso, Hiram Abiff é o modelo de excelência na maçonaria e aparece ao longo dos séculos em muitos graus maçônicos em várias formas, lições e referências.
Hipóteses apontam possíveis ligações que poderiam existir com os ritos secretos dos Cavaleiros Templários, a antiga tradição egípcia de Osíris e o grego Adonis, bem como outras tradições da época de Salomão.
nota: 8,8
Integrantes:
Alden Debee (guitarra)
Brenton Weaver (guitarra)
Rafael Palacios (vocal)
Ian Lemberg (bateria)
Músico convidado:
Kurt Ley (baixo)
Faixas:
1. Encorcelled Spirits
2. Poison of God
3. The Tomb of Hyram Abiff
4. Domini Sanctum
5. Axis Mundi
6. Remnants of Creation
7. Cyclopian Gateway
8. Shattered Throne
9. The Freezing Shadows of Eternal Winter
10. Angelus Ejectiones
Redigido por Stephan Giuliano