Eleventeen marcou o lançamento póstumo do único disco solo gravado por Lee Kerslake.
O dia 19 de setembro de 2020 marcou o encerramento de uma linda história, que começou no dia 16 de abril de 1947, na cidade Winton, no Reino Unido, pois, nessa data, nasceu Lee Gary Kerslake, que a partir dos 20 anos começou a tocar bateria nas bandas The Gods, Head Machine, Toe Fat e National Head Band.
“Demons & Wizards”
O primeiro álbum do Uriah Heep que Lee participou foi o clássico “Demons & Wizards”, em 1972, quarto disco completo do quinteto. Lee gravou com o Uriah Heep até o disco “Fallen Angel”, lançado em 1978, porém, antes da produção do “Conquest”, de 1980, ele deixou o Uriah Heep pela primeira vez para fazer um trabalho solo, tendo sido substituído por Chris Slade (AC/DC).
Blizzard Of Ozz
Ozzy Osbourne, que havia sido demitido do Black Sabbath, encontrou Lee casualmente e o chamou para formar uma banda, Blizzard Of Ozz. Ele gravou os dois primeiros registros solos do Madman, “Blizzard Of Ozz” e “Diary Of Madman”, logo depois, voltou para o Uriah Heep para a gravação de seu próximo full lenght, “Abominog”, de 1982, gravando todos na sequência até “Sonic Origami” de 1998.
2007, o ano da aposentadoria
Em 2007, ele deixou a banda em definitivo por causa de problemas de saúde, no entanto, tive a honra e a sorte de assistir um show do Uriah Heep ainda com ele em 2006 no extinto Via Funchal em São Paulo/SP.
“Eleventeen”
Em 2015, Lee começou a produção de seu disco solo, “Eleventeen”, mas só conseguiu concluir o trabalho em 2019. Ele relatou, dessa forma, na época:
“Finalmente, posso dizer que agora o álbum está terminado, há uma grande sensação de conquista. Demorou pouco mais de três anos para registrar e terminar, e demorou muito porque eu só conseguia fazer dois dias por semana e às vezes nada por um período de tempo, pois a quimioterapia, sem minha permissão, me mantinha longe. Não importa, está feito e estou muito orgulhoso das músicas.”
2018 e um prognóstico que, felizmente, deu errado
No final de 2018, os médicos deram a ele somente oito meses de vida, felizmente, ele conseguiu ir além e terminar esse lindo full lenght do qual vou falar hoje.
Lee faleceu no dia 19 de setembro de 2020, concluindo sua linda e significativa existência, deixando como seu último legado, “Eleventeen”.
Enfim, discos de platina em mãos
Essa não foi a única sua conquista antes de falecer. Assim que soube que o ex-companheiro de banda estava com os dias de vida contados, Ozzy Osbourne mandou entregar os dois discos de platina que ele havia conquistado por ter trabalhado em seus primeiros álbuns, “Blizzard Of Ozz” e “Diary Of Madman”.
Na foto, segurando um disco em cada uma das mãos, Lee parecia uma criança que acabara de ganhar um presente valioso de natal. Eu me emocionei demais nesse dia.
“Celia Sienna”
Indo finalmente para “Eleventeen”, o álbum abre com a linda balada “Celia Sienna”, a qual também foi single em formato de videoclipe, que inclusive conta com a participação do guitarrista Mick Box, seu companheiro no Uriah Heep.
As imagens do vídeo clipe são muito descontraídas e o clima é total alto astral. Lee mostra o seu lado criança que ele jamais perdeu.
“Nunca é tarde demais para ouvir a verdade desde o princípio”
Como vocalista, ele mostrou afinação perfeita, melodia e feeling. “Nunca é tarde demais para ouvir a verdade desde o princípio”.
Ele já tinha me convencido como compositor de baladas com “Come Back To Me” e com “Celia Sienna” vi que ele também sabia canta-las.
“Take Nothing For Granted”
Em seguida, “Take Nothing For Granted” é Hard Rock/Prog com a cara e o jeito do Uriah Heep. Na primeira vez que ouvi essa canção me lembrei de “The Spell” do “Demons & Wizards”, não que haja semelhança, mas porque a voz de Kerslake ficou muito melhor com o passar dos anos.
Não acredito que seja necessário falar sobre a qualidade dele como baterista, esta já é de conhecimento geral.
“Where Do We Go From Here”
Logo após, vem mais uma música que lembra Uriah Heep, porém o lado mais Prog da banda. “Where Do We Go From Here” conta com mais uma interpretação primorosa nos vocais, mesmo imaginando como ela ficaria com os saudosos David Byron e Ken Hensley , Lee Kerslake tomou conta do recado de forma impecável.
“You May Be By Yourself (But You’re Never Alone)”
O disco apresenta ainda mais uma balada, “You May Be By Yourself (But You’re Never Alone)”, a qual começa com um choro de um bebê que já vem do encerramento da faixa anterior. Ela é ainda mais divina que Celia Sienna. Simplesmente, apaixonante.
Charleston
“Port And A Brand” é uma canção de bares e pubs, me remete ao ritmo norte-americano Charleston, nascido na década de 1920. Em suma, outro momento gigante do álbum.
“You’ve Got A Friend“
É a vez do cover de “You’ve Got A Friend”, canção de muito sucesso composta pela cantora norte-americana Carole King, porém, ela também ficou famosa na versão de James Taylor. A interpretação na voz de Lee não ficou atrás. Sobre essa gravação, Lee disse:
“dedico a todos os meus amigos do passado e do presente que amei através da música.”
“Home Is Where The Heart Is”
Chegou a vez da minha favorita do disco, a canção Hard Rock, “Home Is Where The Heart Is” é a mais pesada, tendo um toque Uriah Heep dos anos oitenta, com uma interessante pitada AOR, que a deixa ainda mais maravilhosa.
“Mom”
Que música perfeita para os meus ouvidos e necessária para a minha alma, ou seja, o bonito tema instrumental “Mom” encerra o primeiro e, infelizmente, único trabalho solo de Lee Kerslake. Ele disse sobre essa música:
“Para todas as mães, para que saibamos que elas não são eternas”.
Escrevendo essa resenha me emocionei várias vezes, tendo que parar de escrever, tomar fôlego e recomeçar. Na época do falecimento de Lee Kerslake, muitos noticiaram que ele perdeu sua batalha para o câncer, porém, eu discordo dessa afirmação.
Lee foi bem além dos prognósticos, cumprindo com sucesso sua derradeira missão nesse mundo, fazendo felizes fãs como eu que se deliciam com a audição de “Eleventeen”. Além disso, seu grande lado humano transbordou em suas composições.
Mick Box disse na ocasião de sua morte:
“Lee era um dos homens mais gentis do Planeta Terra, além de ser um irmão, baterista, cantor e compositor incrível! Ele tinha uma paixão pela vida como ninguém e era muito querido pelos fãs e por todos que cruzaram caminho com ele.”
Lee foi um vencedor
Mick não poderia ter descrito melhor quem foi Lee Kerslake e quem pra sempre ele será no coração de todos que tem o seu legado disponível para o próprio deleite. Lee não perdeu, mas foi um grande vencedor, mesmo não tendo conseguido acompanhar o lançamento de seu disco.
“Eleventeen” também é sobre quem eu sou
Eu não poderia deixar de escrever sobre “Eleventeen” já que Uriah Heep moldou quem eu sou hoje, principalmente, os discos nos quais Lee tocou, que formam a maioria da discografia da banda.
Um gigante por trás da bateria
Lembro a primeira vez que escutei o solo de bateria de “Gipsy” no Uriah Heep live 1973, assim como o solo de bateria da canção “Magician’s Birthday”, na qual Lee faz um trecho como vocalista.
Ele é parte da minha vida e da vida de muita gente. Todos nós um dia temos que nos separar, inevitavelmente, mesmo que nossas ligações sejam muito fortes.
Algo dentro de mim me faz acreditar que todas essas separações são temporárias. Espero que eu esteja certo.
Compartilho as palavras e o sentimento de Mick Box, o último remanescente da formação clássica do Uriah Heep, já que David Byron e Gary Thain haviam nos deixado precocemente e Ken Hensley nos deixou pouco depois de Lee Kerslake.
Oxalá Mick continue nos fazendo felizes por muito tempo, pois, graças a ele, o Uriah Heep ainda está aí, firme e forte, mesmo não sendo nem sombra do que foi no passado, ainda grava discos que honram o seu nome.
Aprovado e indicado, portanto, para todos que conhecem o trabalho e a história do “grande urso”, Lee Kerslake. Se não conhecem, devem conhecer. Ainda dá tempo, “nunca é tarde demais para ouvir a verdade desde o princípio”, como diz trecho da letra de Celia Sienna.
Parabéns Lee Kerslake. Sua última missão, seu disco solo, tem a grandiosidade de seu alto nível musical, de sua carreira incontestável e seu enorme coração.
Descanse em paz, Ursão, pois você fez por merecer tudo de bom.
Nota: 9,5
Integrantes:
- Lee Kerslake (voz, bateria, teclado)
- John Libretto (guitarra e baixo)
Faixas:
- 1.Celia Sienna
- 2.Take Nothing For Granted
- 3.Where Do We Go From Here
- 4.You May Be By Yourself (But You’re Never Alone)
- 5.Port And A Brandy
- 6.You’ve Got A Friend
- 7.Home Is Where The Heart Is
- 8.Mom