As trombetas anunciam o novo álbum do Mystic Circle, “Erzdämon”.
O império do submundo está nadando de braçadas e várias bandas de renome estão sabendo tirar proveito disso, seja qual subgênero do Metal Negro ela pertença, então. Com o Mystic Circle não poderia ser diferente e assim como Dark Funeral, Abbath, Belphegor, Vreid, Frozen Dawn, Graveworm, Αχέροντας (Acherontas), Astrophobos, 1349 e tantas outras excelentes bandas, está seguindo a maré cheia e repleta de ótimos lançamentos do estilo.
E se o lance é lançar obras que ficam marcadas por sua sonoridade característica somada a diversas camadas que levam o ouvinte para diversos horizontes sombrios e lamuriantes, os representantes de Ludwigshafen, Rhineland-Palatinate, certamente estão apostos para nos mostrar que seguem capazes de construir grandiosos trabalhos. Visto que vale lembrar que o full length anterior foi alvo de elogios pelo redator e figurou em sua lista pessoal de melhores do ano passado na categoria Black Metal.
Mas, “Erzdämon” é um grandioso trabalho? Veremos a seguir!
Primeiramente, a proposta do Mystic Circle é clara ao mesclar o peso, velocidade, sonoridade estridente e soturna ao lado melódico que soa como uma poesia ao cair da meia-noite. Além disso, o direcionamento da banda não costuma mudar e com um vasto terreno a ser explorado, não seria tão importante partilhar de tal mudança.
Afinal, o dito Melodic Black Metal possui extensas galerias sonoras a serem utilizadas e da forma mais sábia possível. Ao iniciarmos o próximo parágrafo, primordialmente nos depararemos com a abertura do disco. Portanto, acerte a sua bússola de “otherworld” e vamos encarar esse desafio!
Abrindo o manuscrito do submundo
Conforme fora dito acima, a jornada de “Erzdämon” começa por aqui através dela própria, ou seja, a faixa-título do novo álbum, sendo a parte 1 da trama, ou seja, seu nome original é “Erzdämon (Part 1)” . E não poderia ser diferente, já que possui uma abertura cheia de pompa voltada para o lado sombrio e macabro da coisa.
Tal prelúdio mostra as asas da criatura soberana abrindo e prontas para causar grandes ventanias de fogo por onde estiver. O demônio rival entra em cena e as preces são feitas através das estruturas devastadoras sonoras, que são capazes de abrir fendas nas almas mais resistentes, ou que se acham as tais, pois não passam de meros espíritos sem brilho e sem vida.
Sem nenhum deus com o propósito de atrapalhar o processo musical, a canção avança terreno em um rito de pedais duplos, guitarras e baixo estridentes e teclados para darem o clima certo à trama. Os vocais surgem como morcegos ao saírem da caverna de tal forma que seguem incendiando o cenário para a alegria das criaturas do submundo e serve de trilha para o voo rasante do portador dos pecados mortais poder espalhar toda a sua praga pela terra.
As viradas de bateria demonstram toda a fúria do arquirrival para que seja dada a largada para uma linha sem pedais duplos, que retomam a dianteira nas partes seguintes. Os solos melódicos engrandecem a obra e o ritmo extremo contagia a mais pura alma para que faça parte da horda.
Como comparativo, podemos citar Besatt e o Dark Funeral atual, além do Graveworm nas partes mais extremas e nos teclados, assim sendo estes os que decretam um fim misterioso e ocultista para o primeiro versículo musical.
Na sequência apocalíptica temos “From Hell”, “The Unholy Trinity” e “Scarecrow”.
A primeira delas invoca o demônio com a intenção de levar a alma de um pobre suicida até as profundezas do inferno, com os bumbos e pedais mais contidos, agraciando as primeiras linhas sonoras, servindo de banquete para a devastação que vem logo em seguida.
Inserindo mais tempero agressivo no certame, o Death Metal é acrescentado pelos blast beats de primeira somados aos vocais rasgados e guturais. Assim, antecedendo as regiões melódicas do som.
Surpreendentemente, o corte profundo nas veias revela o desejo da morte, de maneira que o demônio profano o enterre no inferno.
A sinfonia da morte ressoa sobre o anoitecer e aumentando os poderes do senhor das trevas para que o desejo de sacrifício seja realizado junto aos solos de guitarra devastadores de lares ortodoxos nessa terra abençoada por Satan, a sinfonia da morte ressoa sobre o anoitecer.
Abismo da loucura
Quando surge um respiro, a narrativa retoma o processo e você fica preso às vozes do submundo, bem como, sendo essas as responsáveis por alinharem os tons de bateria e os dedilhados de guitarra para dentro da escuridão a qual te puxa sob o feitiço das garras demoníacas.
Pego no abismo da loucura, elas te agarram e te dilaceram em plena região sem luz sob o cantarolar dos teclados… Suspense no ar até que…
Dessa forma, diante de um poderoso tremolo tradicional do Metal Negro, a próxima canção apresenta a trindade profana, regida pela figura de Anton Szandor Lavey. Assim sendo citado na própria “múzga”.
As leis do anticristo e as leis do satanista imperam nessa região do livreto sonoro com o propósito de caminho para uma tempestade sangrenta aos ouvidos mais sensíveis deste plano astral. Falsos profetas aparecerão, mas não serão capazes de desligar o volume da metralhadora em formato de bateria.
Em síntese, o pulsante baixo e as guitarras fervilhantes são a chave para o sucesso. Os ditos para a correção das crenças é expelido a plenos pulmões, só para ilustrar:
“Prazer é dor
A escuridão é luz
Escravidão é liberdade
Loucura é sanidade”
Sofrimento, angústia e lamento em forma de música
Um modo narrativo e opressor é instaurado antes dos solos de guitarra se apresentarem como os diferenciais especiais do capítulo. O riff final inclui mais sofrimento, angústia e lamento, um prato cheio para os amantes da queimação de corpos em forma de música.
O final é envolto por uma trilha que combina com o que fora descrito em seus versos seculares. Já na terceira citada no mesmo parágrafo e quarta faixa do álbum, é a vez do espantalho observar cada compasso e riff envolto por maldições arcanas.
De forma fantasmagórica, a canção inicia sua jornada lamuriante com um aviso importante. Sendo doçura ou travessura, o sopro da morte está em seu pescoço e os pratos de ataque e condução, estarão martelando na sua mente, assim como toda a estrutura de base e melodia.
A cadência no som oferece ao espantalho o poder de observar cada passo de sua presa, fazendo-o perseguir sua vítima. A melodia percorre todo o caminho e o silêncio da criatura amedronta a quem o nota.
Os solos são breves, mas servem de alerta quanto à furtividade do perseguidor. E mais um final apoteótico acontece por aqui.
As nomenclaturas que dobram as linhas, surgem sob a tocha acesa de “Asmodeus And The Temple Of God” e “Welcome To The Midnight Mass”.
A primeira destacada é a representação do Asmodeus no templo sagrado de Deus (sagrado mesmo? Precisava apelar para isso, narrador?).
A lendária figura de Salomão construiu seu templo de ouro com a ajuda das forças das trevas e o ritmo é demonstrado pelo primeiro conjunto de notas percussivas de bateria bastante pesadas.
Reforçado por um canto gregoriano, a violência sonora toma conta da Babilônia musical e incendeia todo o cenário em prol do mundo inferior.
O vocal gutural anuncia a vinda do demônio do desejo, aquele que é o abacado da raiva e o sedutor de todos os pecados. As melodias soturnas, gélidas e cortantes acompanham os votos de que o ser poderoso irá arruinar a humanidade.
Solos e linhas melódicas enfeitam positivamente as extremidades da faixa, obliterando qualquer dúvida sobre a sua conduta imoral e antiética, quanto aos vínculos com a sanidade e com o templo das mentiras, da difamação, ou seja, o templo de Deus…
Velas acesas para guiar o caminho
A outra que foi apresentada é um cartão de boas vindas, pois a missa da meia-noite está para começar e você acaba de ser convidado! Sinta-se na casa do próprio “mochila de criança”. O som do órgão anuncia o início da missa, acompanhado por uma guitarra aguda, clamando por vossa presença nesta grandiosa missa negra.
Velas acesas guiam o caminho através do alicerce elaborado pelo contrabaixo. Para a igreja da blasfêmia, guitarras flamejantes permeiam o ambiente e cruzes invertidas adornam a parede para que o exército formado pela bateria possa triunfar sem problemas, enquanto os ritos de sacrifício de sangue para satanás acontecem sem qualquer interrupção.
A noite de terror é envolvida por riffs mais cadenciados e envolventes, que puxam sua alma para dentro do templo com a intenção de louvar ao verdadeiro Deus desta terra.
“Relâmpago ilumina a noite / O céu chora lágrimas de sangue / Os mortos-vivos andam pela terra / Com sede de sangue humano”
A missa acontece e todo o ritual é iniciado, e concretizado com louvor. Os caminhantes sem vida espreitam os humanos apavorados e aprisionados por seus medos.
A caçada de sangue começa, substituindo o que seria a hóstia nos moldes puritanos.
“The Mothman” e “Skinwalker” retomam os batismos simplórios.
Eu já assisti ao filme trash do Homem-Mosca, que não conseguia passar por uma janela e o zíper da fantasia abria. Agora, Homem-Mariposa é algo interessante e intrigante ao mesmo tempo (risos).
“Mothman” também lembra “Moth Into Flame”, faixa de “Hardwired… To Self-Destruct” (2016), penúltimo álbum do Metallica.
A ave noturna abre suas asas pelos céus e comanda a horda nefasta para que execute a profecia sonora, através da breve introdução leve, que é levada pelos instrumentos musicais tradicionais ao pico da montanha mais gelada para que o som tome um rumo diferente do apresentado inicialmente. Mais encorpado e avassalador é o segundo trecho para que combine com as vozes agressivas e macabras.
Os refrãos junto aos arranjos de teclado oferecem um clima congelante e flamejante ao mesmo tempo. Temos doses de canto gregoriano nos momentos mais insanos da canção, servindo de encaixe para a melodia da ira que chega a todo vapor e que lembra muito bem o formato de “Endorama” (1999), álbum controverso do Kreator.
Se observar as linhas agudas e harmônicas, utilizadas nessa parte da faixa, perceberá tal semelhança. E uma grata semelhança por sinal!
Esse diferencial serve de introdução ao pequeno solo de guitarra, antes de retomar a linha mais extrema e veloz.
É bem verdade que o refrão dessa música flerta com o Symphonic Metal, mas que mantém sua linha sombria intacta.
“Olhos vermelhos de fogo seduzem você / Os arautos do seu destino / Um mau presságio está à sua frente / A lenda do monstro se tornou realidade”
Características do Dimmu Borgir
A profecia do homem-mariposa toma forma e de forma sombria aparece coberta de preto como um presságio, destacando a figura muda e obscura, trazendo seus pesadelos para diante de ti. Enquanto a escuridão se torna cada vez mais densa, a sua alma estará perdida.
A sequência prossegue com o caminhante da pele na forma mais direta da tradução, indo em direção ao assunto proferido pelo xamã. A sonoridade se assemelha com as trilhas de faroeste com todo aquele ar de disputa entre os dois atiradores, até que o céu escurece e dele descem as piores criaturas, transformando tudo em um apocalipse musical.
Podemos colocar na conta do Dimmu Borgir algumas características relacionadas ao lado melódico, às guitarras base e à bateria incessante junto do pano de fundo que é regado a teclados “siberianos”. Uma besta está vindo do inferno com seus blast beats completamente velozes e é convocada pelo sacerdote da morte. Aquele que detém a parte percussiva da canção.
Guitarras melodicamente gélidas atendem ao chamado do xamã, sem travar a língua, para que os solos sobrevoem o descampado e revelem um poder sombrio e antigo sobre mundos de magia negra. Vocais que fazem a devida prece antes de retomarem o rumo para os lados da insanidade, enquanto a criatura desperta e nós ouvimos seus batimentos cardíacos através do contrabaixo.
Os batimentos aceleram à medida que a fome por carne humana aumenta até que se encerre o ritual do obreiro.
“Skinwalker – acordado por rituais sombrios
Skinwalker – a melodia da ira chegou
Skinwalker – o lobo está a caminho
Skinwalker – o portador do caos e da punição”
Finalizando o salmo diabólico…
…Está presente “The Princess Of The Deadly Sins (Erzdämon Part 2)”, última representante do livro barulhento maldito como sendo a segunda parte, complementando a primeira faixa, e aquela que fecha os portões do inferno musical.
Também possuidora de um nome grande, essa faixa coloca à frente a verdadeira princesa de todos os pecados, onde a besta se levanta sob a melancólica melodia de cordas com vocal cavernoso, entrando em ação.
O arquidemônio é exaltado no refrão até que as primeiras notas de bateria e baixo colocam os respectivos instrumentos à disposição. O clima permeia entre o Therion e o Tristania dos tempos de profunda melancolia e obscuridade.
A leveza como é tratada esta que contorna o rodapé do disco, é a representação da invocação do arquidemônio para a verdadeira salvação.
“Palavras de encantamento são ditas / A energia escura é liberada / Palavras de encantamento são ditas / Veja a ressurreição da besta”
O retorno do ser poderoso e infernal é recitado com louvores até o seu final.
Resumo do magnífico pecado sonoro:
De acordo com suas convicções e construções musicais, o Mystic Circle retornou ao plano de gravações, onde pode estabelecer mais uma nova receita do mal para espantar a insolente vizinhança. Ao percorrer o caminho oferecido pelo novo trabalho, ficou clara a vontade de juntar novas ideias dentro de seu próprio estilo com suas ricas e principais tradições.
O resultado só não é tão surpreendente devido ao fato de sempre apresentarem obras concisas e consistentes, representando muito bem a bandeira do Black Metal.
Vale frisar também que suas nuances congelantes e por hora estridentes, trazem à sua sonoridade várias climatizações.
Tal sensação se deve ao fato de que os alemães procuram mesclar toda essa roupagem muito bem elaborada com o peso característico e necessário quanto às faixas.
E respondendo à pergunta no início do pergaminho virtual, sim. “Erzdämon” é um grandioso trabalho.
Informações tenebrosas adicionais:
16 anos foi o tempo de espera até que houvesse o retorno triunfal da horda teutônica. Esse foi o hiato entre os álbuns “The Bloody Path Of God” (2006) e “Mystic Circle” (2022). O logo da banda segue sendo o tradicional após o seu retorno junto ao álbum autointitulado.
O logo mais extenso simulando escrita à mão, durou por três full lengths: “The Great Beast” (2001), “Damien” (2002) e “Open The Gates Of Hell” (2003) e “The Bloody Path Of God” (2006).
A capa de “Erzdämon” é assinada por Rafael Tavares, com a artwork feita pela parceria entre Karl Heinz Schuster e A. Blackwar, enquanto a gravação, mixagem e masterização ficaram a cargo de Nils Lesser no Vaultroom Productions.
Agora o Mystic Circle contabiliza a marca de nove álbuns de estúdio e dois EP’s, além das demos, split e live albums.
Curiosidades putrefatas:
O homem-mariposa (mothman) é tido como uma criatura macabra e sobrenatural que teria aparecido em Charleston e Point Pleasant, entre novembro de 1966 e dezembro de 1967.
A criatura é estudada e investigada pela Criptozoologia, sendo portanto um criptóide, na qual diz-se dos fenômenos que escapam aos meios habituais de investigação.
Sua aparição estaria supostamente associada ao acontecimento de futuros desastres. A folclórica, ou mitológica criatura, é também conhecida por homem-traça.
Tida como uma criatura presente na cultura dos Navajos (em navajo: Diné ou Naabeehó), o Skinwalker está geralmente ligado à linhagem de lobisomens, sendo uma lenda bem conhecida nos EUA, principalmente em localidades como Utah – onde está localizado o Rancho Skinwalker.
Os navajos são um povo indígena da América do Norte, da família linguística Athapaskan (idioma navajo) e da área cultural Sudoeste. O Skinwalker é tido como humano com a capacidade de se transformar em animal, sendo uma espécie de metamorfo.
Seu gênero transparece o lado masculino ou feminino, na qual eventualmente a criatura requer um contato com um pelo do determinado animal a ser transmutado, porém, isso nem sempre é necessário.
O que vem logo abaixo não é um trecho de música, e sim dizeres contidos no material original de “Erzdämon”, que por sua vez, significa arquidemônio em alemão.
“Serpent, arrogance, disobedience, pride and haughtiness.
Rebellious and implacable adversary against God.
As an apocalyptic dragon, you bring sin and death into the world.
Who appears at the end of time and smashes the lords of angels.”
Nota: 9,1
Integrantes:
- Sven “A. Blackwar” Meesters (bateria, guitarra, teclado)
- Marc “Beelzebub” Zimmer (vocal, guitarra, baixo, teclado)
Faixas:
1. Erzdämon (Part 1)
2. From Hell
3. The Unholy Trinity
4. Scarecrow
5. Asmodeus And The Temple Of God
6. Welcome To The Midnight Mass
7. The Mothman
8. Skinwalker
9. The Princess Of The Deadly Sins (Erzdämon Part 2)
Redigido por Stephan Giuliano