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Resenha: Nox Doloris – “Konstantinopolis” (2025)

O Nox Doloris, banda de Symphonic Black/Death Metal, nos presenteou com um novo álbum. A obra recentemente lapidada atente por “Konstantinopolis”. O novo trabalho foi lançado de forma independente no dia 16 de janeiro. O disco apresenta 10 faixas, contando com uma intro de abertura da nova pedra filosofal sonora.

Decerto, quando uma banda muda a sua sonoridade ou nasce após o encerramento de uma história anterior, torna o caminho bastante atrativo. Porém, isso também pode se tornar perigoso quando afeta a raiz da questão. Ou seja, o Heavy Metal. Não digo sobre aquela parafernalha dita como “metal real”, mas sobre a musicalidade em si. Mas aqui não é o caso. Ninguém precisa se assustar, pois o Nox Doloris já possui certa história no traçado metálico. A horda eslava surgiu em meados de 2008 na conhecida São Petersburgo, em bom tradutor português. Sua discografia compreende um total de três full lengths, contando com o debut “Possession”, de 2013, o subsequente “Khemet”, lançado em 2020, além do atual “Konstantinopolis”. Porém, a lista ainda compreende três EPs e duas demos.

Só para exemplificar e matar logo a curiosidade de muitos, Nox Doloris significa ”noite da dor” em latim. Portanto, sem segredo algum.

Após o fim decretado do Omen, banda de Black Metal local, dois membros da extinta banda formaram o Nox Doloris. Konstantin Timofeev Alexander Ivanov iniciaram a nova trajetória com uma sonoridade voltada para o Symphonic/Gothic/Industrial. Assim sendo, baseada em sintetizadores, com peso simulando máquinas, clima fantasmagórico e nuance vampírica. Todavia, a mudança para o Symphonic/Black/Death Metal aconteceu após o lançamento de algumas demos.

Portanto, traremos ao honorável público uma noite repleta de muita dor oriunda da Mãe Rússia.

Nox Doloris e a dor do anoitecer

Uma banda que fala em suas composições, dentre outros temas, também sobre civilizações antigas, certamente terá alguma ligação com o Nile. Direta ou indiretamente, mas com toda a certeza terá e isso se remete à sua sonoridade. Também é possível encontrar semelhanças com Dimmu Borgir e com o Rotting Christ. Entretanto, valerá o mergulho nas ondas sonoras dos russos para entender sobre essa junção sinfônica do Black com o Death Metal cantando em inglês mesmo.

A formação conta com um power trio que carrega pseudônimos. Então, o vocalista, guitarrista e dono das orquestrações do álbum, Igor Shlyabin (Игорь Шлябин, no original em alfabeto cirílico), se apresenta como Rakshas. Enquanto o baterista Nikita Antonov (Никита Антонов) figura como Keleseth. E por fim, o baixista Alexey Sergeev (Алексей Сергеев) atende por Kutkh. Além disso, o Nox Doloris contou com o apoio em estúdio de diversos vocalistas para executarem os cânticos de acordo com as camadas musicais oferecidas em cada faixa. Contudo, também incluiu o responsável pelos arranjos e também quem cuidou das partes em talharpa e leitura em nórdico antigo na canção apoteótica de “Konstantinopolis”. São eles:

Nox Doloris/Bandcamp

Outras informações sobre a composição do álbum

Em resumo, Swift e Lex participam de todas as músicas do novo disco. Só para ilustrar, a arte da capa é assinada por Mosa Eye e Rakshas. Anna Sadchikova é a articuladora das letras em turco na faixa “The Law of Fatih”, a número 2 do disco. Além disso, Alexander Merenkov foi o responsável pela gravação, mixagem e masterização de “Konstantinopolis”.

O espírito da Constantinopla medieval

O título entrega, certamente, sobre o tema centra da trama eslava. Estaremos adentrando a uma época de completo turbilhão de eventos que mudaram o curso da história, tocando em temas de lealdade, traição, sacrifício e grandeza.

“Κωνσταντινούπολις” é o nome da cidadela antiga a qual, atualmente, é conhecida como Istambul, capital da Turquia. O nome está em grego e a atual Istambul foi capital do Império Romano, Bizantino, Latino e Otomano. Portanto, é uma cidade com muita história para ser contada. A intro do disco dá as primeiras cartas e estende o tapete rubro otomano para uma faixa bem diferente do convencional. “The Law of Fatih” é uma música com um compasso que não oferece aquele ímpeto de início de álbum.

O peso controverso dos riffs e da linha principal de bateria caminha próximo do Crematory em seus tempos menos inspirados, numa roupagem próxima de um Industrial Metal sem muita alma. Mas essa massa sonora soma aos versos em ritmo voltado para o que o Rotting Christ construiu junto ao álbum “Rituals” (2016). Em suma, o resultado inicial acaba se saindo de maneira mediana. Pode-se observar que a estrutura permeia a climatização da temática. Destaque para os solos de guitarra contornados pelas camadas orquestrais e toda a cobertura de sonoridade extrema.

Bandcamp

Citações e palavras que costuram toda a história

Somente a partir de “Hashasheen” é que a coisa começa a escalonar positivamente. O território turco é explorado de maneira condizente com a trama, enquanto a massa sonora invade o cenário. Seu percurso inicial age como o amanhecer em território turco. Os mistérios por trás de povos que viveram, dominaram e foram dominados séculos após séculos, veem à tona. A canção se eleva de acordo com os dizeres tanto em turco quanto em inglês sobre as formas abissais de controle, legado e predestinação para governar um povo.

O trabalho de vozes, tanto limpas quanto guturais, é um dos primores da canção. Além disso, podemos citar as roupagens e dedilhados orientais voltados para o lado turco do mapa. Todavia, as passagens cavernosas e extremas ditam o ritmo do fervor em sangue, aço e busca pelo poder. Kutkh faz a canção brilhar ainda mais por conta das suas linhas expressivas e estrondosas de contrabaixo.

“Um assassinato sagrado é uma lei, é um desejo
Oh, meus pobres netos, ouçam-me.
Somente um de vocês será digno do trono
O único sucessor digno será o Sultão”

Por Alá, o início do Kiamat

“Ottoman War Machine” se apresenta com seu arsenal de guerra repleto de canhões e navios, e à frente seus generais enraivecidos e com sede de sangue e de poder. O início avassalador é repleto de palhetadas pertencentes ao Death Metal. A sequência se dá através dos compassos extremos e com toda a orquestração muito próxima ao que o Dimmu Borgir fez por muito tempo com maestria. Enquanto os diferenciais e notas distorcidas são colocadas em cena, a trama ganha cada vez mais profundidade em meio a uma vastidão em busca de seu novo governante.

Contudo, parte do destaque também vai para os solos de guitarra de Rakshas recheados de orquestrações e climatizações em comunhão com o tema central. Embora não seja conceitual por não seguir uma linha do tempo e/ou dividir em capítulos, você se mantém em território otomano e passa a compreender toda a disputa territorial desde o início dos tempos. Portanto, sendo um álbum temático.

Nox Doloris/Facebook

O velho conhecido Conde Vlad

“Vlad the Impaler” inicia de forma mais voltada ao Black Metal, com suas passagens com riffs que vem e vão, dando um efeito de serrar algo como uma cabeça. A orquestração apresenta um pano de fundo de puro rito ameaçador. O verso inicial que o diga.

“Ouça-me, Fatih Mehmed,
Walachia é minha!
Eu sou gospodar
O legítimo voivode desta terra
Aqui está minha posição:
Vá se foder com seu império!
Eu empalei
Seus emissários nas torres enferrujadas”

O groove contido na canção evidencia toda a reviravolta causada pelo empalador diante dos olhos do último conquistador, além dos solos distorcidos.

Os riffs de Death Metal estão de volta, sempre acompanhados pela peça orquestral. Quando juntas, alcançam a parte mais sombria e nefasta do Metal. O momento é nobre, agressivo e incinerador de povos fracos e sem pudor. Estamos falando de “Ayraat Malkuth”. As forças malignas através da sua carruagem de fogo devastam por onde passam com toda a estrutura musical oferecida. As variações mais cadenciadas remetem ao trabalho feito pelos gregos do Rotting Christ.

Na sequência, temos “Caravan of Musa”, faixa mais cadenciada em suas bases e que traz consigo toda a receita já apresentada no disco. Entretanto, suas novidades estão contidas nas linhas principais de guitarra com dedilhados melódicos precisos e que, junto com a parte orquestral, somadas às vozes extras, complementam a jornada de maneira ordenada sobre a história do imperador de Mali.

“Uma vez Musa ibn Abi Salim al-Takruri,
O rei do Mali, foi em peregrinação
Sua majestade reuniu uma grande caravana para transportar
Incontáveis ​​litros de ouro para seu Hajj”

Nox Doloris/Facebook

Santuário sem Deus e o destino de uma tribo guerreira

“Iconophobia” é o nome da trilha seguida pelo pânico ao ser obrigado a louvar imagens. Mais uma vez o lado extremo impera no conclave musical. Variações vocálicas ditam o ritmo da violência técnica em forma de música. Temos vocais guturais inertes ao Metal da morte e vocais rasgados voltados para o Metal negro. Assim sendo, tal fórmula positiva está presente em boa parte das composições. Isso reforça a junção dos estilos mais viscerais do Heavy Metal. E, só para ilustrar, temos mais um encontro com os noruegueses do Dimmu Borgir por aqui, somado às marcações de notas estrondosas e solos muito bem elaborados e executados.

Em seguida, temos a chegada da tribo guerreira seminômade chamada “Pecheneg”. A canção atende pelo nome da tribo e, portanto, está descrita com as aspas e o contorno em negrito. Seu ritmo é quase que tribal por completo, somado às camadas sinfônicas e aos elementos mais extremos. Os solos são novamente um dos dos charmes do som que, por sua vez, relembra os povos que passaram por esta terra, mas que foram dizimados ao longo do tempo. Malditos cristãos à época! E pensar que Jesus Cristo nunca percorreu este caminho da tomada à força… A faixa termina com o som de uma cavalgada, o que remete aos andarilhos de um passado distante.

Guardiões varangianos a serviço de Constantinopla

Por fim, o último capítulo do almanaque russo possui a nomenclatura de “Halfdan Was Here”. A própria canção apresenta a ilustre figura:

“Eu sou Halfdan, filho de Harald
Viemos da ilha de Gotland
Passamos por Holmgard rio abaixo
Arrastamos o langskip até a febre

Chegamos em Miklagard
Tornamos Guardiões Varangianos
Agora estamos aqui para lutar
Com inimigos de Constantinopla”

O início da última joia remete a um passado cheio de climatizações através dos vários tipos de vozes, aliados aos temas orquestrais, na qual explodem em riffs pesados e vocais tão presentes quanto um nórdico após tomar um hidromel de qualidade. O formato da faixa atende a todos os requisitos de “Konstantinopolis”.

Aqui temos a participação da musicista Sirin, com sua voz doce e sua talharpa, além dos recitais em nórdico antigo. Além disso, também temos a presença do vocalista Pavel Sartre para acrescentar à trama final do disco. Após os solos e a parte em que a canção literalmente decola em emoção e climatização, temos um fechamento em meio a um tempo sombrio e propício para mais dizimações de povos perante à história da humanidade.

Nox Doloris/Facebook

Nox Doloris: considerações nômades finais

“Konstantinopolis” é um daqueles discos para se ouvir com a devida atenção, pois é coberto de detalhes e as passagens diferenciadas podem impedir alguém que não é acostumado com muitas nuances a se desligar da obra. Embora possua completa ligação com elementos e experimentações orientais, as músicas não fixam seu mastro em apenas um lugar. Ou seja, tendem a mudar conforme o andamento da história cantada. O álbum não é conceitual, mas carrega um tema base que funciona como um sintonizador de suas respectivas músicas. Contudo, ainda existem influências e resquícios de trabalhos anteriores voltados para outras vertentes das quais não poderiam ou não estariam presentes nesse novo artefato musical.

Entretanto, o álbum apresenta um crescimento de qualidade ao longo da audição e é bastante perceptível quando se oferece a devida atenção ao mesmo. Rakshas é um principal artista e fio condutor da obra e do Nox Doloris, com seus solos excepcionais, suas nuances por entre bases extremas, palhetadas respeitosas e dedilhados melódicos marcantes, além de sua habilidade quanto às partes sinfônicas e todo o pano de fundo orquestral. E seus próprios vocais guturais.

Keleseth se mostra como um exímio baterista, bastante criativo e com senso de improvisação afiado. E, por fim, temos o baixista Kutkh com seu instrumento bastante pesado e intenso, causando estrondo ao marcar o tempo das músicas quando é necessário. Primordialmente, também apresenta outras linhas precisas e de destaque. Em resumo, podemos dizer que esse álbum pode melhorar ainda mais conforme ouvido mais vezes.

“Óðinn, ég hlýði þér
Heyrðu mig, vinsamlegast
Óðinn, vísaðu mér veginn
Leiðbeindu mér, vinsamlegast
Viska þín er ljós mitt
Heyrðu mig, vinsamlegast
Þinn vilji er lögmálið
Leiðbeindu mér, vinsamlegast

Þetta er ekki þinn guð, Hálfdán
Vinir þínir bíða þín í Valhöll
Farðu norður, þar er heimili þitt, Þar muntu sjá andlit Óðins
Bardaginn nálgast, öxin mun rekast á sverðið, farðu að því og vertu ekki hræddur”

nota: 8,5

Formação:

Faixas:

  1. Κωνσταντινούπολις
  2. The Law of Fatih
  3. Hashasheen
  4. Ottoman War Machine
  5. Vlad the Impaler
  6. Ayraat Malkuth
  7. Caravan of Musa
  8. Iconophobia
  9. Pecheneg
  10. Halfdan Was Here

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