O Vulcano é sem dúvida uma das grandes joias encontradas e lapidadas nos anos 80 em se tratando de Metal brasileiro. Zhema e sua trupe estão de volta para nos brindar com mais um disco novo, “Stone Orange”, décimo segundo álbum dessa extensa carreira, o que é para poucos, já que o país corre contra essa maré.
O sucessor do ótimo “Eyes In Hell” precisaria mostrar bastante serviço para manter o alto nível em favor dos ídolos de Til Lindemann, vocalista do Rammstein. Para quem não acompanhou a notícia, em um show dos brasileiros na Alemanha, o cantor tirou foto com os caras e não apenas isso, também estava devidamente fardado com a “peita vulcânica”. Isso é uma bela resposta para quem ainda insiste em dizer que o público de fora não liga para as bandas da nossa casa. E o Vulcano, para muitos, vive a sua melhor fase. O fato se concretiza ao ouvir os últimos trabalhos e presenciar os shows. Dito isso, vamos ao que interessa!

A horda expelidora de lava escaldante abre as comportas com “Metal Seeds”, “Putrid Angels Ritual” e “Tear Gas”.
A primeira garra do Wolverine apresenta uma sonoridade mais contida e misteriosa, buscando encontrar os quatro guardiões das quatro Eras, dos quatro elementos principais, para encontrar a chave que atravessa o tecido multiversal. O artifício abre espaço para o som mais agressivo e cadavérico da banda. Dia a dia por séculos e séculos você procura por um som decente e então, você encontrou a chave principal que abre as portas da esperança em prol do Metal. As três coisas que escondem todos os segredos são as varíações rítmicas, o envolvimento com elementos de Black Sabbath, Venom e Slayer, e o alicerce calcado no Thrash mais old school. Os solos marcam toda a extremidade sonora e disposição dos músicos para tal. A segunda garra corta e perfura de um jeito que espirra sangue pelo cenário todo. A bateria de Bruno Conrado induz o vulcão a expelir muito mais lava e pedras do que o normal. Para saciar a fome em grandes quantidades, os espíritos se libertarão de seus casulos nos confins do submundo, assim reerguendo o império dominante que fora julgado de forma injusta. Zhema e Fajardo entregam um pacote de riffs explosivos e breves, que alimentam fortemente tais criaturas. A terceira garra do velho Logan mostra a ligação que o primeiro tridente de sons possui sem que haja a sensação de pensar em mudar a ordem do certame. O nome da canção já revela sobre o que se trata e é um tema completamente atual. Reunindo e formando batalhões, a trama narrada energeticamente por Louzada entrega o ímpeto agressivo que a jornada sonora pede. O instinto assassino em ambos os lados refletem nos bumbos e pedais, cordas blasfemadoras de riffs insanos e linhas imperdoáveis às vítimas do real Metal. Dedilhados são o ponto chave para a canção não ser completamente reta, como os escudos da tropa de choque que revelam a face do ódio. Cuidado com o gás lacrimogêneo!

Os próximos três tremores de terra são provocados por “Keep Mind”, “A Night In A Metal Gig” e “7 Seconds In Hell”.
O primeiro tremor acontece graças à introdução de bateria, que limpa a viseira do jipe de guerra e acende a esperança para mais uma sequência estridente do álbum. Condenado à morte, você é guiado pela trilha, que percorre às margens de um pântano, onde pode estar escondido o inimigo. Os blast beats inseridos com precisão, simulam a artilharia pesada no campo de batalha. Riffs que contornam o caminhar das tropas. Você é o soldado do inferno que luta pelo fim da vida adversária e vive tentando atirar em meio aos solos de guitarra, despejados à exaustão. Você acompanha os vestígios de um assassinato, corpos caindo, mas, junto ao baixo contagiante de Carlos Diaz, você deve manter sua mente intacta! O segundo tremor surge ao perceber que se trata de uma interpretação sobre a música em si. Aproxime-se e ouça os primeiros acordes que acertam em cheio sua fuça. Corra perto do palco e seja surrado no mais exuberante mosh da noite. Sinta suas veias bombearem sangue de Metal através das linhas potentes de bateria, somados aos urros vocálicos e choques compulsivos, causados pelas guitarras de timbre rasgado. Você e nós seremos um nesse momento de confraternização em prol da boa música. Não há diferença entre nós e apenas as verdades devem ficar no palco e na pista com esse prato quente e cheio, coberto pelo som extremo qualificado. “Não há misericórdia para o falso / Nós vamos te mostrar a verdade.” O terceiro tremor após passar sete segundos do inferno, horário de Brasília. Ao iniciar a nova faixa, Louzada conta sobre o som de sirenes de ataque aéreo, causados pela extensão oferecida pela destruição sonora da banda. Os riffs cavalares encontram uma luz extrema nunca vista antes. Sem perder tempo, surge a enorme bola de fogo com dez mil graus de pura fervura do contrabaixo. Uma nuvem de cogumelo coloca o céu no bolso e as guitarras cospem fogo até que se silenciam para tomarem conta do cenário novamente a seguir. “Sete segundos no inferno / A chuva negra cai / Chuva na ruína esmagada / Tudo para o chão / Pessoas explodidas com calor e radiação / Corpos queimados, carbonizados.”

A terceira tríade conta com os horrores de “Stone Orange”, “Trigger Of Violence” e “Night Terror With Satan”.
A faixa-título chega com todo o aparato para dizer que tudo tornará ao pó se olhado através do espelho que guarda o final secreto. Um vagaroso e compassado som mostra que no derretimento superior e inferior, como acima, assim é abaixo. Aquilo que foi a sequência sonora precisa, vai voltar novamente através da timbragem e dos acordes, transmutado da mesma fonte: os vocais inspirados em Cronos (Venom) e Tom Angelripper (Sodom)… Guitarras que deixam poeira na terra… Baixo que contrasta com a poeira no ar… Bateria que converge a poeira na água… Os vocais anunciam por entre as labaredas que até o fogo se tornou pó. Demonstrado nos melhores solos do disco, esse é o poderio marcante e massacrante da pedra laranja. A obediência tira nossa liberdade, trazendo dor e morte, de acordo com os dizeres do segundo texto musical desta terceira tríade. Não muito diferente de sua antecessora, inicia sua jornada de forma mais calma, mas logo descamba para o cenário tradicional vulcânico. Os tremolos e bateria em pleno cavalgar constante evidenciam o lado Black Metal da coisa. Vocais com efeitos maléficos narram parte da história sobre governar ou destruir, pois esta decisão nem Deus nem Satanás tira de nós. Afinal, a decisão é só nossa. “Lutar! Lute pela sua vida / Gritar! Grite para você morrer / Morrer! Morra por sua dor.” E se o assunto é citar o nome do mochila de criança, a saga mantém o enredo ao tratar sobre uma noite de total terror com o já citado ser das trevas. A tortura é acompanhada por uma levada das mais extremas e devastadoras de todo o álbum. As variações sonoras se apresentam como importantes desta que possui em sua base riffs velozes e cortantes, dedilhados pertencentes ao Death Metal, bateria ensandecida e baixo que pulsa firme, mantendo o prumo no nível certo. Mais uma vez os solos dão conta do recado e você sente seu corpo sendo esticado sem poder se movimentar. Seus membros rasgados e lacerados, sangram e misturam ao seu suor frio.
“Rebels From 80’s” é uma clara alusão à construção do sagrado Metal. A junção do velho com o novo, os experimentos e restrições de épocas passadas, os desafios percorridos, hora perdidos e hora vencidos. O guitarrista Windson Dantas é o participante convidado para esta festa. As novas ideias surgindo e mais bandas aparecendo para entregar um pouco mais ao que estava por vir. Uma introdução rústica, de época, abre caminho para riffs mais contemporâneos e isso fica ainda na cara com a chegada do refrão:
“Everything was ready
In 60’s and then 70’s
Since the metal started shine
Rebels from 80’s”
A mistura entre Heavy, Thrash e Speed encaixam muito bem na trama.
“Ship Of Dead” e “The Altar Of Defiance” são as próximas “cantigas de quebrar o queixo”. A primeira delas mantém o nível de sons pesados, velozes e variantes. Os solos tornam a canção ainda mais intensa, elevando o patamar da mesma. “O navio dos mortos / Está levando tantas almas / E ninguém pode quebrar o feitiço / Corpo, alma e mente estão desaparecendo” – você pode se deixar levar e ser guiado ao mundo dos mortos sem passagem de volta ou insistir por sua vida ingrata para que não seja tragado pelo navio. Na página seguinte temos aquela que lembra um grande clássico do Death Metal mundial. Acertou se disse “Altars Of Madness”, de 1989, do glorioso Morbid Angel. Nela vemos o Vulcano cheio de energia em busca do altar do desafio, que consiste em revelar que os seres que a maioria idolatra não podem usufruir dos prazeres mundanos. Solos bem puxados para o Heavy Metal constroem uma grande ponte para a rifferama contida nesta receita. Esta funciona como a engrenagem que liga ao duto correspondente às partes de bateria. “Deus não pode comer meu almoço / E Jesus não pode beber minha cerveja / Nós somos o absoluto, a lei é nossa.”
“Witches Don’t Lie” e “Lives Moves Toward Death” dão continuidade aos trabalhos. Uma delas diz que as bruxas não mentem e pede para estas mulheres perigosas dançarem na noite mais sombria e nefasta, onde ocorre mais uma missa negra. Os cristãos rezavam de dia e passaram a pecar durante o anoitecer. O dia virou noite e ofereceram o elixir da perversidade através dos sorrisos macabros, espalhados no ar com beijos calorosos e flamejantes, seios saltitantes à mostra, quadris sensuais em movimento… Estes… Os cristãos em massa de outrora. O baixo inicialmente é o grande diferencial, enquanto a pancadaria sonora se faz presente. Um misto de Thrash e Black Metal se coloca em primeiro plano para que nada seja meramente cadenciado. Os blast beats trazem a força de um elefante desgarrado e enfeitiçado por uma das bruxas. A outra “múzga” diz que as vidas são guiadas para a morte e que seu caminho é ininterrupto. Na tradição do ciclo da revelação primitiva, os vermes são liberados dos túmulos e o futuro não é importante. Quem levanta a tampa do caixão é o instrumento percussivo mais querido do Metal. Logo após é a vez das guitarras e baixo incendiarem o cemitério, carbonizando os “pé junto”, oferecendo uma chance nova a quem já partiu. Considero um dos melhores riffs do disco, dando o espaço ideal para o baixo trafegar solto. Eu não ouso levantar o véu das eras / Sem a permissão da Amehz, e / Do segredo do Octagrama / Embora eu viva uma lenda sobre mim” – isso diz muito sobre se de fato estamos vivos ou se é apenas uma lembrança da nossa mente adormecida.
“418″ e “Vulcano Will Live Forever” trazem a parte final da obra. A faixa numérica é um tema instrumental interessante, porém carrega a sensação de aquecimento antes do show. Já a décima sexta canção é um cover da banda Cadaverise. O ritmo combina bem com a ideia contida no disco e não desvia o foco. As estrofes variam entre português e inglês. Vale uma conferida em um dos trechos em “brazukês”: “Trago uma espada forjada em fogo / Vivo em guerra e ódio eterno / Ouvindo os chamados dos sinos da morte / Sempre em frente aos portais do inferno”. Os solos são a alma do negócio e abrilhantam a jornada mais uma vez. “Untitled”, como o próprio nome “não” diz, trata-se de uma sobra de estúdio que acabou parando no rodapé do álbum. Existem diversos álbuns com faixas consideradas sem título ou nomeadas como “Outro”, e que são realmente sobras ou zoeira da banda em estúdio. Dessa vez não é nada disso! É uma música, assim como várias que recebem esse nome. Agressiva e com bons solos, além de um andamento e nuances bacanas, servem para encerrar de forma positiva os 17 ítens desse mais recente livro musical dos cabras.
Informações adicionais:
Neste mesmo de lançamento do álbum “Stone Orange”, a horda paulistana também lançou o EP chamado “Om Pushne Namah (New Version)”. Já o álbum em questão foi gravado em O Beco Estúdio, Curitiba, Paraná, entre março e abril de 2021. A masterização aconteceu no Angioni Studios. A produção ficou por conta do próprio guitarrista Zhema Rodero e de Ivan Pellicciotti, que também assina a gravação e masterização. Roberto Toderico é o criador da capa com o apoio de Rafael Barros na arte de trabalho, além da fotografia, pertencente à NecrosHorns (Suécia).
“From the profound earth,
Spirits will break free
Down the stairs looking for the cells,
Where are there prisoners chained
Crying for angels worms
Awakening from his long sleep
To satisfy the hunger,
In large quantities”
Nota: 8,8
Integrantes:
- Zhema Rodero (guitarra)
- Carlos Diaz (baixo)
- Luiz Carlos Louzada (vocal)
- Gerson Fajardo (guitarra)
- Bruno Conrado (bateria)
Artistas convidados:
- Windson Dantas (guitarra) – “Rebels From 80’s”
Faixas:
1. Metal Seeds
2. Putrid Angels Ritual
3. Tear Gas
4. Keep Mind
5. A Night In A Metal Gig
6. 7 Seconds In Hell
7. Stone Orange
8. Trigger Of Violence
9. Night Terror With Satan
10. Rebels From 80’s
11. Ship Of Dead
12. The Altar Of Defiance
13. Witches Don’t Lie
14. Lives Moves Toward Death
15. 418
16. Vulcano Will Live Forever (Cadaverise cover)
17. Untitled
Redigido por Stephan Giuliano