Resenha: Hammerfall – “Avenge The Fallen” (2024)

É incrível perceber como o headbanger às vezes pode ser extremamente chato e incoerente. E especialmente com o Hammerfall, podemos exemplificar isso com perfeição. Em todos os lançamentos da banda ouvimos coisas como, “de novo isso?”, “lançam o mesmo disco desde 1997” e “ah, é sempre a mesma coisa”. Mas devemos lembrar que na única vez em que tentaram fazer algo um pouco diferente do usual, no álbum “Infected”, foram extremamente criticados por isso. Traduzindo: headbangers não sabem exatamente o que querem e independente do que o músico se propor a fazer, irão acontecer reclamações. É inevitável.

Mas se vão haver reclamações sempre, o que fazer então?

Fazer o que o Hammerfall sempre fez. Ser honesto consigo mesmo e tocar a música que ama. Os fãs que acompanham a banda há muito sabem o que esperar de um novo trabalho dos suecos. É jogo ganho. O padrão de qualidade quase sempre é mantido e, em alguns casos, as expectativas são superadas positivamente. Foi exatamente o que aconteceu no novo álbum, “Avenge The Fallen”.

Importância histórica

Depois de uma sequência muito boa com “Built To Last”, “Dominion” e “Hammer Of Dawn”, esperava-se no mínimo um trabalho justo e coerente de Joacim Cans, Oscar Dronjak e seus comparsas, mas eles foram além e nos brindaram com registro que chega muito perto do brilhantismo.

“Avenge The Fallen” chegou na última sexta feira, dia 9 de agosto, via Nuclear Blast Records. O disco conta com 10 faixas e cerca de 46 minutos de duração. O suficiente para colocar o novo material entre os melhores já apresentados pela banda, logo depois dos quatro clássicos do início de carreira.

Seria prudente iniciar nossa análise dando os louros a quem os merece. Não vejo muitos veículos especializados enaltecendo, mas se você é fã da NWOTHM (New Wave Of Traditional Heavy Metal), fique sabendo que o marco zero dessa onda de revival do Metal tradicional oitentista foi o Hammerfall em 1997 com “Glory To The Brave”. Os anos 90 não foram tão generosos com este estilo e somente aquelas bandas que já estavam estabelecidas no mercado, seguiram lançando discos (King Diamond, Mercyful Fate, Iron Maiden, Black Sabbath e algumas outras), mas realmente foi um período pobre no que diz respeito a novas promessas surgindo e apresentando grandes obras com sonoridade nos moldes da velha escola.

O Hammerfall mudou esse paradigma. Depois deles começaram a surgir outras bandas como Metal Inquisitor, Enforcer, RAM, Cauldron assim como Skull Fist e tantas mais

Individualmente voando

Voltando ao foco, com uma discografia fiel ao seu próprio DNA e uma proposta já conhecida por todos, “Avenge The Fallen” tem muitos destaques individuais. O vocalista Joacim Cans é, digamos, malandro no bom sentido, ele canta num timbre extremamente confortável e isso certamente o ajuda na hora do Ao Vivo. Cans não se aventura muito pelo campo dos agudos e extensões prolongadas de notas mais altas, tudo o que você ouve no estúdio é reproduzido com exatidão cirúrgica nos shows. Ponto pra ele.

A dupla de guitarristas formada por Oscar Dronjak e Pontus Norgren está super entrosada. Enquanto Oscar é o cara do feeling, Pontous é mais versátil e mais técnico. Dessa forma, o resultado é uma união bem interessante entre dois tipos completamente diferentes de se tocar guitarra. O mais importante aqui é que os dois se completam e funcionam uma barbaridade. Bom, se pararmos para pensar, já são 7 discos com essa mesma dupla e, inegavelmente, o entrosamento é tudo.

Importante também salientar a parte rítmica, formada pelo baixista Fredrik Larsson e o baterista David Wallin. Larsson é o baixista clássico do Hammerfall, a saber, é o cara que gravou todos os primeiros álbuns e, desde seu retorno em 2007, o grupo tem tido muita consistência. Já Wallin parece ter encerrado o ciclo de rodízio de bateristas e foi praticamente desde que ele entrou que a banda começou a ascender criativamente de novo.

Um obra para ser consumida em sua totalidade

Em algumas declarações recentes, vimos Joacim e Oscar ressaltando que o Hammerfall ainda é uma banda que se preocupa em compor discos inteiros, isto é, para serem consumidos como antigamente, como uma obra a ser ouvida em sua totalidade. Ambos deixaram claro que “Avenge The Fallen” é um trabalho de faixas entrelaçadas, onde caso você tire alguma musica a audição seria influenciada. E são colocações perfeitas, principalmente, por ser um disco com tracklist construído dessa forma e que faz sentido ouvi-lo na íntegra.

Musicalmente, você tem um apanhado do que o Hammerfall tem feito durante toda a sua carreira. Mas há um adendo: dessa vez eles realmente capricharam. Várias músicas tem cara de hino e, me arrisco a cravar, serão mantidas em futuros setlists. Aliás, a banda é uma das poucas em atividade que tem grandes hinos oriundos de seus trabalhos mais recentes. Ao vivo é realmente difícil saber o que eles vão tocar, pois além de sempre mudarem os sets (outro fator que merece elogio), incrivelmente, o grupo não tem uma dependência de ter que, obrigatoriamente, ficar tocando um número alto de faixas de seus 4 primeiros álbuns. Músicas mais recentes como “Any Means Necessary”, “Hector’s Hymn”, “Hammer High”, “(We Make) Sweden Rock” assim como “Brotherhood”, só para mencionar algumas, já se tornaram obrigatórias.

Inicio Avassalador!

Sobre as faixas presentes em “Avenge The Fallen”, são muitos os destaques. A abertura é bem propícia, cheia de feeling e o riff inicial da canção título já denuncia que, certamente, estamos ouvindo um futuro clássico. É o tipo de canção que você ouve e já imagina a plateia gritando o refrão nos shows com os punhos cerrados estendidos para o alto:

“Avenge, Avenge, Avenge The Fallen
Avange, Avenge, Vengeance Is Mine”

Na sequência temos a matadora “The End Justifies”, que é quase uma “Heeding The Call” dos tempos modernos. A faixa traz toda a sonoridade do clássico “Legacy Of Kings” à tona e, liricamente, é uma espécie de tratado com os fãs para, dessa forma, deixar cravado de forma atemporal o compromisso do Hammerfall com o Heavy Metal e a música que tanto amamos:

“Você veio para o nosso lado
Veio para se juntar à nossa jornada de glória
E com força e sem remorso
Nós nos tornamos um para seguir este caminho

A estrada que pavimentamos é livre
Livre para todos, para você e para mim
Ao som do Metal, aço encontra o aço
É a forja dos nossos ideais

Você é a raiva por dentro do trovão
É os Relâmpagos que vêm do além
Para este refrão cante com o HammerFall

A paixão é nosso Senhor
A coragem, nossa espada
Heavy metal está em nossos corações
Isso é difícil de destruir”

Desnecessário dizer que esta música se tornará um hino!

Tracklist balanceado e estratégico

Sem deixar a pressão baixar, é a vez de duas músicas fortíssimas, “Freedom”, com uma letra enaltecendo os conceitos básicos de liberdade dentro do Heavy Metal, e, em seguida, “Hail To The King”, que é mais uma que terá o refrão cantado em uníssono nas apresentações da banda.

Neste ponto, devo destacar a inteligência dos músicos na hora de posicionar as faixas. O Hammerfall sempre coloca uma baladinha em seus discos, e dessa maneira, além desta ser uma ótima balada, ainda foi posicionada estrategicamente entre duas porradas. “Hope Springs Eternal” vem depois da poçante “Hero to All” e antes da matadora “Burnt It Down”. Ótima sacada!

Chegando próximo do final, é preciso abrir mais um parêntese. É geralmente aqui que os álbuns perdem um pouco do gás, mas em “Avenge The Fallen”, temos apenas a coroação de um disco que começa bem, se desenvolve maravilhosamente e termina com uma sequência de alto nível. “Capture The Dream” é outra composição absolutamente mágica. Com um ritmo cavalgado e um refrão para cantar junto, somos convidados a embarcar na história de lutas da banda.

Para quem não sabe, em 1997, quando o Hammerfall ousou tocar Heavy Metal tradicional para um público que, só para ilustrar, consumia os lançamentos do Death Metal melódico, do Black Metal e gêneros mais modernos, Joacim chegou a revelar em uma recente entrevista que era abordado na rua por fãs de Metal que o questionavam coisas como: “quer saber? Por que você não toca a música que as pessoas querem ouvir?”. Joacim Cans chegou a ser agredido por um fã de Black Metal que quebrou uma garrafa no seu rosto, dessa maneira, deixando uma cicatriz para o resto da vida. Você pode ficar curioso e querer saber como Cans respondia esse tipo de abordagem. Ele conta:

“Eu olhava para elas e dizia: ‘eu toco a música que eu quero tocar e isso me faz feliz’. No final do dia, essa é a única coisa que importa.”

Sim! The End Justifies!

Pois a letra de “Capture The Dream” trata exatamente disso, de superar obstáculos e partir em busca de seus sonhos. Vejam:

“Tentando me calar desde o começo
Mas meu sonho é meu sonho e a vontade de lutar é forte
Eles têm tentado me minar bem no meu próprio terreno
Mas o fogo interior tem sido minha virtude o tempo todo

Agora ou nunca (Seja um campeão)
Encontre o ritmo dentro de você (O seu espírito)
Deixe o futuro começar (Não tenha medo)
Quando sua história for contada, a verdade se revelará
Então capture o sonho

Há uma escolha na vida, que caminho você seguirá?
Venha apenas para descansar ou entre no grande desconhecido
Quando o futuro parece muito sombrio, não procure respostas ali
Olhe para dentro de si mesmo, seja fiel somente a você”

No final, ainda temos este outro trecho que provavelmente se refere as cicatrizes físicas e da alma que foram superadas:

“Oh, aqui estou eu depois de todos esses anos ainda alcançando as estrelas
Aqui estou eu, como um fora da lei furioso brilhando com minhas cicatrizes
Aqui estou eu, através dos ventos da mudança, através das chamas do purgatório”

O álbum encerra com chave de ouro trazendo a tipicamente Hammerfall, “Rise Of Evil”, assim como “Time Immemorial”. Esta última, detentora de uma belíssima introdução, um refrão cadenciado e fortíssimo, além de linhas de guitarra muito criativas.

Maturidade é a chave

Para concluir, vou parafrasear a letra de “Capture The Dream” no momento em que Cans canta o verso, “quando sua história for contada, a verdade se revelará”. Tenho absoluta convicção que apesar da má vontade de muitos em relação a música da banda hoje em dia, em algum ponto no futuro, quando o Hammerfall tiver os seus vinte e tantos álbuns na prateleira, será o tipo de banda que as pessoas vão comentar coisas como: “nunca decepcionaram”, “discografia livre de deslizes” assim como “Hammerfall nunca errou” e por aí vai.

É exatamente o que acontece hoje com nomes como Saxon. Que no auge de sua forma física e vigor, lançava álbuns matadores que eram quase sempre pouco falados ou menosprezados, mas hoje todos chegaram ao consenso que foram fieis aos seus princípios e verdadeiros no em seu propósito.

O Hammerfall é hoje uma banda madura. Que sabe seu exato lugar no cenário Heavy Metal mundial, entende seu momento, conhece os anseios do seu público, respeita seu legado e, dessa forma, é extremamente fiel ao gênero que os consagrou. Melhor álbum desde “Crimson Thunder”.

LET THE HAMMER FALL!

Nota: 9,5

Integrantes:

Oscar Dronjak (guitarra)
Fredrik Larsson (baixo)
Joacim Cans (vocal)
Pontus Norgren (guitarra)
David Wallin (bateria)

Faixas:

1. Avenge the Fallen
2. The End Justifies
3. Freedom
4. Hail to the King
5. Hero to All
6. Hope Springs Eternal
7. Burn It Down
8. Capture the Dream
9. Rise of Evil
10. Time Immemorial