Sepultura e Angra foram, de longe, as bandas que foram mais longe dentro do Metal brasileiro. Ambas conseguiram, de jeitos diferentes, se consolidar como nomes grandes, importantes e relevantes, não apenas na cena local, como também internacionalmente.
Em 2025, ambos os “gigantes” do Metal nacional estão muito próximos do final de suas carreiras, o Sepultura, inclusive, em meio a uma turnê de despedida. Por outro lado, o Angra também não parece ter fôlego para muito mais, já que anunciou um hiato por tempo indeterminado e, visivelmente, o grupo não goza do mesmo prestígio de outrora.
Vamos neste texto entender o que aconteceu com ambas as bandas e fazer uma análise sobre que tipo de legado os dois nomes mais respeitados do Brasil deixarão. Musicalmente, não há dúvidas que este legado será duradouro, mas será que é somente isto? Poderiam ter feito mais?
Vem com a gente nesta reflexão.

O Sepultura chegou lá na base da raça
O Sepultura, das duas, foi a que conseguiu alcançar o mainstream de uma forma bastante difícil, porém, mais duradoura. A história da banda envolve muito daquele sentimento “do it yourself” (ou “faça você mesmo”), presente nos anos 70 e 80.
É preciso ressaltar que o quarteto mineiro estava no lugar certo e na hora certa. E digo isso pois a cena mineira estava em ebulição, mas os integrantes tem todo o mérito por conta da resiliência. O sepultura acreditou, insistiu, batalhou e conseguiu assinar contrato com uma gravadora internacional (a Roadrunner) por conta própria. Mais tarde, com o lançamento de “Chaos AD” (1993) e, principalmente, “Roots” (1996), conquistaram um dos mercados mais cobiçados do mundo, o norte americano.
Nem é preciso mencionar o tamanho da influência que a banda possui no surgimento de estilos como Groove Metal, Nu Metal e outros mais modernos. Muitas bandas que hoje são enormes, mencionam o Sepultura como uma de suas principais inspirações. Podemos afirmar com tranquilidade que se Max Cavalera não tivesse deixado a banda em 1996, os brasileiros hoje seriam no mínimo tão grandes quanto o Slayer. Este era o cenário que estava sendo desenhado na época.

O empurrãozinho dos empresários na consagração do Angra
No caso do Angra, o mérito é muito mais musical do que ter conseguido algo por esforço e trabalho próprio. E você que é fã, se acalme, pois é necessário entender pontos importantes sobre o grupo para conseguir analisar de uma maneira mais sóbria e menos passional. Dessa forma, sim, nós concordamos que todos os músicos que passaram pela banda são extremamente talentosos, são técnicos em um nível altíssimo e, é claro, os discos que colocaram a banda no auge em meados dos anos 90 e início dos 2000 são realmente muito bons.
Mas é inegável que o Angra tinha um padrinho, um empresário, alguém que movia as peças no tabuleiro, que tinha contatos com gravadoras importantes, com produtores internacionais e, sem dúvida, alguém que fazia as coisas acontecerem. Por mais talentosos que fossem, qual banda brasileira começa gravando seu álbum de estreia na Alemanha, em um estúdio gabaritado, com um produtor renomado e consegue sucesso imediato? Isto simplesmente não acontece.
O que queremos deixar evidenciado é que as duas bandas trilharam caminhos distintos – praticamente opostos – e conseguiram se destacar justamente por conta disso. Nenhum dos dois meios é mais certo ou mais errado, esse tipo de julgamento nós não faremos. A intenção é mostrar as estradas trilhadas pelas duas maiores bandas brasileiras e tentar entender porque nenhuma outra chegou tão longe novamente.

Existiram outros nomes que poderiam ter se tornado tão grandes?
Sim, existiram e existem! Nós temos alguns nomes no decorrer das décadas que poderiam ter conseguido. Alguns deles tiveram uma ascensão meteórica em algum momento do passado, outros estão atualmente em alta, mas nenhum ainda sequer chegou perto do que conseguiram Sepultura e Angra, principalmente, se pensarmos no mercado internacional.
Por mais que respeitemos as histórias de nomes como Korzus, Sarcófago, Claustrofobia, Dr. Sin, Torture Squad, Hibria, Nervosa, Crypta e Krisiun, ainda há vários degraus para subir para tentar chegar perto das duas supracitadas.
Um ponto que sempre gera discussão é: Sepultura e Angra poderiam ter puxado outras bandas junto com eles? Poderíamos ter uma cena mais estabelecida com outros nomes de sucesso caso isso tivesse acontecido? Eles deveriam ter feito isso? Por que não fizeram? Estão certos ou errados?
É um assunto complexo, sem verdades absolutas, mas com reflexões importantes sobre o que ambas deixarão como legado para as próximas gerações.
Um rápido paralelo entre Sepultura e Metallica
É sabido que o Sepultura fazia parte do circuito de bandas em Belo Horizonte, gravou splits com outros nomes da época, participou de coletâneas e, querendo ou não, se beneficiou da cena underground até chegar ao status de banda famosa e bem sucedida. Mas e depois do sucesso midiático? O Sepultura seguiu ajudando esses outros grupos? Até onde se sabe, mesmo que no começo estivessem todos juntos e unidos pela música que amavam, isso não aconteceu.
E eles não eram obrigados, que fique claro, mas você como fã da banda, responda com sinceridade, teria sido muito mais legal. Sim ou não? Se hoje, tivéssemos outros 4 ou 5 nomes realmente grandes, nossa cena não estaria tão enfraquecida e todos estes grupos seriam gratos ao Sepultura, como acontece no Thrash norte americano onde quase todos são gratos ao Metallica.
Para quem não sabe, os integrantes do Metallica mesmo no final dos anos 80, já na turnê de “…And Justice For All”, isto é, depois de estarem completamente estabelecidos na cena e gozando de muito prestígio, ainda se correspondiam por cartas com as outras bandas da Bay Area. Eles indicavam os caminhos corretos a serem percorridos, as pessoas certas com as quais os músicos deveriam manter contato, os bons promotores, os empresários confiáveis, os melhores locais para se tocar e outras dicas extremamente valiosas que ajudaram no fortalecimento do Thrash estadunidense como um todo.
Não é a toa que a escola norte americana do Thrash Metal é considerada a principal entre todas as outras, ainda mais se pensarmos em termos de prestígio e bandas bem sucedidas.

Mergulhados dentro de suas próprias crises
O Sepultura não foi o tipo de grupo que estendeu a mão ou procurou levantar outros nomes do circuito brasileiro. Não existe banda que tenha conquistado algum destaque nacional ou internacional por interferência direta do Sepultura. Este é um fato imutável e incontestável.
E antes que comecem a reclamar, nós sabemos que cada banda precisa escrever a sua própria história e não ficar dependendo de ajudas vindas de terceiros. Nao é este o ponto. A questão é: para conseguir fazer o que o Sepultura fez, é uma chance em um milhão, e sabendo disso, não seria interessante facilitar a vida dos demais?
O que pode ser argumentado para justificar de alguma forma este “descaso”, e não consigo pensar em outra palavra que defina melhor, se você conseguir escreva no espaço destinado aos comentários, mas o que podemos levar em consideração é um conjunto de fatores. Os músicos eram muito jovens, não tinham qualquer experiência e não foram direcionados ou ensinados a lidar com a fama, tudo simplesmente foi acontecendo e, quando os próprios se deram conta, já tinha passado.
Depois da saída de Max, tudo virou de ponta cabeça e os remanescentes precisaram de muita força de vontade para seguir em frente. Foram anos de discos questionados, críticas muitas vezes infundadas, mudanças de lineup e, mais uma vez, resiliência e luta para alcançar novamente um patamar de respeito na cena Metal atual. Se esse turbilhão de acontecimentos serve para isentar a banda, aí é com você. Nós do Mundo Metal pensamos que o Sepultura poderia ter sido muito mais do que uma banda de sucesso.
O Angraverso
Se o Sepultura não ajudou outras bandas a alçarem voos mais altos, o Angra fez pior e criou um multiverso da loucura oriundo de suas próprias desavenças internas. Com o tempo, os integrantes do Angra foram saindo da banda e dando origem a novos grupos menores e, evidentemente, não tão bem sucedidos. O próprio Angra, com o passar dos anos e a ineficácia em manter uma mesma formação, também foi se apequenando. Apesar de ainda ser o segundo nome mais relevante do Metal brasileiro (o primeiro é disparadamente o Sepultura), há anos não consegue ser tão relevante ou repetir os bons momentos do passado.
O que aconteceu é que, infelizmente, foi construído um ecossistema ao entorno de músicos que passaram pela banda em algum momento de suas carreiras. Esta espécie de cena paralela do Metal nacional, aos poucos, foi se ramificando e, em cada subdivisão, acontecia uma nova polêmica e uma discussão pública. O Angraverso é formado por nomes como Angra, Shaman, André Matos solo, Almah, Noturnall, Edu Falaschi e, agora mais recentemente, com o baixista Luís Mariutti tentando emplacar o descabido Shamangra. Até o Viper, que foi a primeira banda de André Matos, foi capturado e inserido dentro do Angraverso.

A babação de ovo
Os fãs do Angraverso não são necessariamente amantes de Heavy Metal e suas vertentes, mas em sua maioria, demonstram um comportamento absolutamente nocivo de idolatria e fanatismo por artistas específicos. A afeição é pela pessoa e não por sua obra. Importante ressaltar que muito do comportamento do público vem do comportamento dos músicos. Beira o ridículo ver adultos chegando os 40 anos de idade (ou mais) e ainda se comportando como se estivessem na quinta série. É como se todos esses caras que tocaram na banda ou tiveram suas carreiras ligadas ao Angra em algum ponto, fossem lendas incontestáveis do Metal. Nada ou ninguém pode fazer qualquer tipo de crítica aos trabalhos destas figuras e, caso faça, logo aparecerão argumentos do tipo:
“Vai lá e faz melhor!”
“O cara gravou os melhores discos do Metal nacional, você fez o que?”
“Não importa que ele estava desafinando e cantando mal, ele é uma lenda, as pessoas foram lá só pra ver ele.”
“Se eu quisesse ouvir igual no estúdio eu escutava o disco em casa.”
É desse nível para pior. E é por conta deste comportamento patético que praticamente todas essas bandas do Angraverso estão há tempos lançando discos burocráticos, sem tesão, sem energia e na base do piloto automático. Quase todos esses músicos nem ouvem mais Metal (eles admitem) e, portanto, não tem sequer parâmetros para criar obras verdadeiramente impactantes nos dias de hoje. Mas veja bem, todos eles sabem que independente do que apresentarem, mesmo sendo aquele disco cheio de clichês e auto-referências, o multiverso da loucura estará lá para aplaudir.
Vivemos uma realidade onde basicamente todos os músicos e ex-músicos do Angra tem feito turnês nostálgicas executando discos antigos. Os trabalhos autorais novos não foram tão bem assim…
O legado do Sepultura

O Sepultura deixará como legado a obra musical, a história de resiliência e a luta para conquistar uma posição de destaque. O quarteto foi o grande desbravador no sentido de conquistar mercados internacionais, apesar de não ter facilitado para que nenhum outro conseguisse fazer o mesmo.
Os álbuns da banda, principalmente, os odiados pelos fãs mais radicais aqui do Brasil, serviram para solidificar o nome do grupo em território internacional e, provavelmente, serão sempre mencionados por conta da importância e influência exercida sobre outros nomes gigantes da indústria musical.
O legado negativo fica por conta de não ter conseguido explorar todo seu potencial midiático. Também pelas inúmeras brigas públicas entre integrantes e ex-integrantes e, claro, por nunca ter se preocupado com o fortalecimento do Metal brasileiro. A banda deixará de existir a partir do ano que vem e o cenário Heavy Metal do Brasil continua capenga do jeito que sempre foi. E quando digo isso, não estou jogando a culpa no Sepultura, mas uma banda deste tamanho e com tamanha importância, poderia ter ajudado muito.
O legado do Angra

O Angra também deixará um legado por conta de sua obra musical. E será lembrado como exemplo de como é importante possuir gestão profissional na parte do business. A banda também deixa uma lição de resiliência e força de vontade por não ter desistido mesmo após tantas mudanças de formação.
Sobre os discos e, principalmente, sobre a base de fãs conquistada, tememos que a adoração e o fanatismo não passem para as próximas gerações. É praticamente impossível que passe. E isso impactaria diretamente na relevância dos registros, já que diferente do Sepultura, o Angra não foi o grande estopim de nenhum subgênero do Metal, não é mencionado por grandes bandas do mainstream como inspiração e, mesmo tendo feito muito sucesso na Europa em determinado momento, não vemos este estilo de Metal em alta e tampouco vemos outras pessoas fora do Brasil mencionando “Angels Cry”, “Holy Land”, “Rebirth” ou “Temple Of Shadows”.
O lado negativo é, sem dúvida, esta cena paralela onde os próprios músicos trabalham para que se retroalimente. Trazer todo problema interno para mídia e fazer com que fãs fiquem tomando partido em embates de músicos não é algo para se orgulhar.
O que esperamos do futuro dessas bandas?
Esta pergunta é muito fácil de ser respondida, embora não acreditamos que as coisas serão feitas da forma que vamos apresentar.
Se nem Sepultura e nem Angra, enquanto bandas em atividade, trabalharam no fortalecimento da cena e na ascensão de novos nomes, ao menos, depois que encerrarem suas carreiras poderiam fazer isso.

Andreas Kisser e Rafael Bittencourt são nomes conhecidos e respeitados. Andreas tem um programa de rádio, Rafael tem um podcast, ambos possuem contatos, conhecem atalhos e são influentes. Por que não fomentar a cena e, dessa forma, garantir que aja outros Sepultura’s e Angra’s em um futuro próximo?
Seria muito interessante ver novas bandas surgindo com a orientação dos dois maiores nomes do Metal brasileiro. A cena nacional, com a qualidade das bandas atuais, poderia inclusive se espelhar em movimentos do passado como a NWOBHM, o US Metal, a cena Death de Tampa e, mais recentemente, movimentos de Metal retrô como a NWOTHM (New Wave Of Traditional Heavy Metal) e NWOOSTM (New Wave Of Old School Thrash Metal).
A pergunta que fica é: os ilustríssimos integrantes de Sepultura e Angra estarão dispostos a ajudar nisso? Se não estiverem, que ao menos se aposentem rápido e deixem a cena florescer sem estas duas presenças fantasmagóricas. Atualmente, elas mais atrapalham do que ajudam.
Deixe sua opinião no espaço destinado aos comentários.