Antes de embarcarmos nessa nova viagem devo lhe alertar sobre uma coisa: a trilha a ser percorrida por nosso comboio passará anos-luz longe de qualquer ato tido por moderno dentro da sonoridade a ser explorada. Ficou com receio? Pule fora do trem agora!
Ahá! Sabia que iria gostar desse caminho! Segure-se firme e vamos adentrar ao conteúdo oferecido.
A simpática “Sandrinha”, apelido carinhoso da banda americana Sanhedrin, acaba de dar continuidade aos seus passos com seu terceiro full lenght intitulado “Lights On”, lançado no dia 4 de março via Metal Blade Records.

Antes que se pense em algo viajante e diferente, a cratera sonora é aberta com “Correction”, que corrige a sua efusiva ideia sobre o que vem a ser uma boa conduta inclinada ao Heavy Metal. Sobrevoando o histórico de baixas deixado pela humanidade, os versos apresentam o ser humano buscando uma paz adormecida por conta de seus próprios atos destrutivos que: “A título de correção / Não é pior do que a bomba atômica”. Com sabor de Iron Maiden em seus maravilhosos tempos, a chama metálica se une à rabugice encontrada em grandes momentos do esporte proferidos como Judas Priest e Accept. Os backing vocals oferecidos pelo baterista Nathan Honor e pelo guitarrista Jeremy Sosville trazem o tom na medida certa. Wolf Hoffmann aparece como grande aporte inspirativo nos momentos mais agressivos da canção e também junto aos solos. Abertura de disco digna!
Diante dos estilhaços causados pelo estrondo inicial temos a faixa-título “Lights On“, que apresenta uma roupagem próxima aos timbres e linhas sonoras clássicas do saudoso maestro Ronnie James Dio, como em “We Rock“, para colocar um exemplo bacana dessa festança toda. Vivian Campbell pode ter andado pelo estúdio durante a gravação dessa faixa, tamanha a disposição voltada para a arte instrumental dos discos do “The Voice“. Mas, espere! Quando chegar a calmaria, se gostar acenda o seu incenso (longe de mim que eu não aprecio muito) e viaje nas linhas mais tranquilas até chegarem os espíritos de John Bonham (Led Zeppelin) e Keith Moon (The Who) para ajudar Nathan Honor a trazer a canção para o modo inicial e fechar com a bravura de um grande guerreiro percussivo. “Um tiro é disparado, um homem está caído / Alguém está sofrendo enquanto a escuridão cai em nossa cidade” – este é nada mais nada menos que o início da canção que conta sobre a inversão e o lado podre da lei, julgando de forma minimamente equivocada quaisquer casos simples e deixando os cães perigosos longe das algemas. “Lost At Sea” fecha a primeira tríade ruidosa de forma misteriosa e instigante com compassos que funcionam como uma espécie de chamado para o que está por vir. Você queria um Hard em meio ao Heavy notavelmente tradicional? A aposta pode ser feita por aqui através dos acordes que atendem ao seu chamado. Agora cante junto com Erica e seus tenores:
“We are morally bakrupt and we give it to our living stock
Seven generations lost at sea
Like grains of sand
We feel it slipping through our hands
Time is a thief who’s lost at sea”
Agora presencie toda a mistura das décadas mais magistrais para o Rock e Metal, antecedendo o grande refrão.
O quarto mandamento atende por “Change Takes Forever” e logo de cara apresenta um riff bem chiclete que culmina em uma linha bifurcada e diferenciada de praticamente todo o disco. Distorcida, agressiva e impetuosa, como se Ritchie Blackmore estivesse contorcendo o encordoamento até o limite, funcionando como abertura das cortinas de algo que remete aos tempos nervosos do espetacular Deep Purple. Os competentes e oitentistas solos ecoam com toda a magia reunida pela canção. Há espaço para os pedais duplos de Nathan Honor entrarem em ação, incendiando o certame e fechando de forma exemplar. Isso sem contar as linhas conduzidas através dos refrãos que trazem novamente à tona o inesquecível The Who em sua seleta salada de prováveis influências, porém sempre com o Heavy Metal em primeiro plano. “Você corre em correntes / É agora ou nunca / Alguém me disse que as coisas têm que mudar, mas a mudança leva uma eternidade” – sem se deixar controlar e sem se vender é muito árdua a luta, mas a força de espírito deve perdurar ao invés de cair em tentação e desistir da própria vida. Se há a chance de mudar e seguir em frente, pode demorar o tempo que for. Não caia na armadilha de patrulha alguma e jamais siga instruções de gente que não presta. A luta deve continuar. Eis que neste momento o clima fica completamente anil com “Code Blue”, parafraseando a nomenclatura da canção que mantem a chama do seu isqueiro acesa, enquanto a bateria conduz a canção. A guitarra enfeita de forma magistral com compassos leves, disfarçando e servindo de alicerce para a subida no refrão. Stoltz interpreta os dizeres ao microfone calmamente e ataca nos momentos certos. Quando seu baixo é apresentado, a pulsação deixa o som completamente encorpado e azeitado, como diriam alguns. Dedilhados de guitarra e uma percussão impecável abrem alas para os solos de guitarra que trazem um clima característico, remetendo ao renomado guitarrista Carlos Santana, e durante a exploração das distorções, a sonoridade segue pelos caminhos puros do Metal com alternâncias inteligentes para o Hard, combinando bem com a temática da letra envolvendo um amor perigoso em chamas. “Condição vermelha / Tenho um fogo do meu coração na minha cabeça / Código azul, código azul / Acho que te quero” – Na maioria dos hospitais, “Code Blue” se refere à necessidade imediata de uma ressuscitação cardiopulmonar ou iminência da mesma em um paciente. Faz total sentido, já que a paixão fulminante costuma ser de tirar o fôlego da figura.

“Scythian Women” carrega a nomenclatura mais diferenciada de todo o tracklist de “Lights On”, podendo alcançar a alcunha de melhor faixa do álbum. Neste trecho do álbum notamos linhagens ligadas ao Speed Metal clássico, que misturado ao Heavy Metal tradicional, costumam abrilhantar a obra oferecida ao público. Elementos incorporados de bandas do calibre de Raven e o maravilhoso Acid são encontrados em ampla fervura. Erica Stoltz entoa sua voz como se recebesse uma congratulação honrosa de Kate de Lombaert, a eterna vocalista do Acid, tudo isso enquanto conduz seu contrabaixo com exatidão. Tudo acontece junto aos versos cantados sobre o povo cita e suas bravas guerreiras que lutaram por seus ideais em Eras passadas.
É o Riffmaster Tony Iommi solando? Que sensacional o trabalho realizado pelo super guitarrista Jeremy Sosville. Ressaltando que jamais soa como cópia, pois o que é encontrado aqui consta como fonte harmoniosa de inspiração. Nem sempre os elementos que encontramos são verdadeiramente inspirações diretas dos instrumentistas, pois quando criamos arranjos até completar uma música, por exemplo, temos diversas inspirações das quais sequer notamos com facilidade de onde vieram. Claro que isso não é de forma geral e que normalmente pensamos em algo concreto de fato. Entretanto, nossas inspirações ao criar uma canção estão ligadas aos fragmentos retirados de nossa escola musical.

Falando no mestre dos mestres, temos em “Hero’s End” o momento mais “sabbáthico” da obra. Seu início sombrio, melancólico, quase entregando uma balada arrastada, acenando para o Ozzy Osbourne em carreira solo e para o próprio Black Sabbath, apontando principalmente para a faixa “Born Again”. Junto a tudo isso temos mais um encontro com o Dio durante sua primeira passagem no próprio Sabbath. Mágico, não? E pesado também! Aliás, temos outro solo com inspirações voltadas ao Iommi. Se foi combinado eu não posso dizer mas que ficou magnífica a ideia, sem sombra de dúvida que sim, incluindo o incêndio sonoro causado próximo ao fim da “múzga” com voz e instrumentos atingindo picos de agressividade das boas! “Onde está a lâmpada? / A faísca interior que nos guia pela noite / A inspiração, pura, criação / É o fim de um herói quando você se levanta do chão para lutar novamente / Mas você se senta no jardim” – uma luz dentro brilha como um prisma e em suas horas mais sombrias tudo é perdoado, mas nem tudo é esquecido e a desistência retira toda a razão da existência. Com um nome bem propício para o término de um capítulo e anúncio do próximo, “Death Is A Door” surge dos destroços auriculares que sobraram da junção anterior inspirada no Black Sabbath. Ela é calma, praticamente anunciando o término do trabalho por aqui, mas está enganado se pensas que acabou. Ainda há mais espaço para o engenhoso som seguir de vento em polpa. Um Heavy bastante animado para encerrar de forma apoteótica o mais novo trabalho do excelente Sanhedrin que possui sua própria identidade, já desenvolvida por completo em “Lights On”. Riffs, pontes, solos e levadas precisos para que se dê vontade de ouvir novamente o disco. O final é um retorno aos primeiros passos da mesma canção. “Há mais portas para abrir e o vento está em seus ossos / Escuridão tomando seu fôlego / Você vai deixar seu corpo sozinho / A morte ainda batendo na porta / E parece que já estivemos aqui antes / Um espírito desencarnado procura um lar” – a morte como sendo mais um porta a entregar mais desafios sobre a própria vida que parece só encher de dúvidas a mente e o espírito assustado com tudo o que acontece à sua volta, principalmente em tempos execráveis atuais.
Considerações:
Que o Sanhedrin apresentou em sua carta inicial de vinhos musicais uma ótima abertura para uma promissora carreira, disso não temos dúvida. Afinal, tanto o debut “A Funeral For The World” (2017) quanto segundo álbum “The Poisoner” (2019), mostraram ao povoado de “Metal City” o poderio desse notável power trio. Já em “Lights On” a coisa ficou muito mais evidente graças à grandiosa evolução da banda como um todo. Outra prova dessa nova e robusta armada é a linha vocálica de Erica Stoltz que possui alguns bons traços de Joan Jett. Curta e cultive essa nova obra intergaláctica.
Observações finais:
A faixa “Scythian Women”, conforme resumo acima, trata sobre os citas, que eram tribos equestres iranianas que foram mencionadas como habitando grandes áreas nas estepes euro-asiáticas começando com o século VII aC até o século IV dC. Seus territórios durante a era do ferro eram conhecidos pelas fontes gregas clássicas como “Scythia”. Sua aparência histórica coincidiu com o surgimento do semi-nomadismo equestre das montanhas dos Cárpatos da Europa para a Mongólia no Extremo Oriente durante o primeiro milênio aC. Muitas mulheres citas estiveram nos campos de batalha por Eras a fio, portanto, a homenagem se faz bastante válida, também sendo uma busca muito importante e interessante deste registro histórico.
“Riding the world out from east to west
Over the mountains and onto the steppes
Fighting besides their brothers in arms
The surest of archers, the fiercest of swords
Oh how they loved life on the plains
Nomadic people unfettered unchained
Riding across the known universe
Warrior women and warrior girls”
Nota: 9,1
Integrantes:
- Erica Stoltz (baixo, vocal)
- Nathan Honor (bateria, vocal de apoio)
- Jeremy Sosville (guitarra, vocal de apoio)
Faixas:
1. Correction
2. Lights On
3. Lost At Sea
4. Change Takes Forever
5. Code Blue
6. Scythian Women
7. Hero’s End
8. Death Is A Door
Redigido por Stephan Giuliano